foto por Alice Atrás do Espelho
ENQUANTO VOCÊ DORMIA
Há cerca de 4 horas que chegara. Estava cansada, sentia uma leve dor nas
pernas, mas não deu muita importância, sentia-a todos os dias e sabia que não
tinha muito o que fazer.
Sobre a mesa havia duas sacolas de mercado, uma delas
estava vazia e dobrada e na outra tinha apenas um pequeno pacote com farinha de
mandioca, trezentos gramas de café moído e um quilo de açúcar.
Sua casa era pequena com uma pequena cozinha, um
banheiro e um quarto. As poucas visitas que recebia ficava na cozinha, sentadas
em volta da mesa. Sua geladeira era velha e o fogão de quatro bocas já não
funcionava muito bem. Sua pia fora doada e estava quebrada no canto direito.
Morava sozinha e sozinha tudo fazia. Tinha no rosto
marcas do sol e de um tempo que trabalhara muito. Andava devagar, mas
firmemente e firme eram também sua voz e seu olhar. Já enterrara cinco dos seus
seis filhos. Seu marido, não o via há anos, desde que ela se mudara com seus
filhos cansada do álcool e embriagues.
No fogão estavam duas pequenas panelas, uma cozendo 3
batatas e a outra com um dente de alho e cebola picados. Tinha acabado de
temperar os três reais de pé de galinha que comprara no mercadinho do bairro
onde morava.
Sentiu-se um pouco tonta, e pensou que talvez
estivesse chegando a sua hora. Perguntou-se e a Deus se teria o prazer de ver
seu filho, sua nora e seus dois netos novamente antes que morresse. Riu e
pensou como estava sendo idiota, era claro que não morreria. Fazia
aproximadamente três anos que não recebia visitas do seu filho.
Sua tontura tornou-se um mal estar, puxou uma cadeira
e sentou, ali, apoiando um dos braços sobre a mesa, esperou as batatas e os pés
de galinha ficarem cozidos. Sua vontade era de se deitar.
Naquele momento, questionou-se porque não tinha um
gato ou cachorro. E respondeu pra si mesma que não gostava de gatos e não tinha
dinheiro para alimentar um cachorro. Os últimos raios rosados do sol entravam
pela janela da cozinha e davam cor à parede rústica.
Fixou seu olhar na ponta quebrada da pia e ficou
olhando sem piscar. Apenas Deus sabia o que aqueles olhos estavam tentando
dizer, apenas Deus podia ouvir os segredos, histórias, alegrias e tristezas
daquela senhora.
Levantou-se e sentiu-se mais tonta, desligou o fogo e
pensou que precisava tomar banho antes de se deitar, no entanto, estava muito
cansada e foi repousar um pouco. Passou pelo banheiro e adentrou no quarto.
Fechou um pouco a janela, arrumou o travesseiro, tirou a sandália e deitou-se
apoiando as costas no travesseiro de modo que ficasse meio sentada.
Ficou naquela posição por cinco minutos e sentiu um
pouco de frio. Levantou-se e pegou um fino cobertor dobrado sobre uma cadeira,
abriu-o sobre a cama e puxou suas pontas uma de cada vez. Voltou a arrumar o
travesseiro e deitou-se novamente, apoiou sua cabeça sobre ele e se cobriu,
sentiu prazer em deitar completamente e poder descansar. Lembrou que tinha que
terminar a janta, tomar banho e comer alguma coisa antes de dormir.
Virada para sua direita ficou olhando o céu rubro
escurecer, cochilou. E inexplicavelmente assim ficou... Dormiu e dormindo
permaneceu no seu eterno e mais profundo sono.
Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 11/10/2010
Código do texto: T2550384
Código do texto: T2550384
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4 comentários:
MEU DEUS!!!
Que sensação estranha que você me causou... Estou completamente emocionada.
MEUS PARABÉNS...
(meus olhos estão lacrimejados)
Nossa! Estou chocado. E que interessante a forma como escreve, a arrumação da casa no meio dos acontecimentos.
Eu estava lá, agora essa senhora não vai querer sair da minha mente.
Simplesmente lindo. Espero que ela tenha ido em paz.
Abraços.
Vinicius
;( :( :( :(
sem comentários!!!
ABSOLUTAMENTE LINDO!!! E EMOCIONANTE
Gosto do jeito com que descreve as coisas... deixa de ser literatura pura e simples, e adentra num campo sensorial, quase metafísico! Pude sentir o cheiro do cozido... pude sentir até a textura das mãos da velha senhora. Seria um belo roteiro para um curta-metragem... quem sabe!
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