01 abril 2011

Caótica Tarde Pacífica

 
Foto por: João Espinho


CAÓTICA TARDE PACÍFICA


No quintal, as pétalas das violetas banhavam-se nos últimos raios dourados do sol. O céu estava delicadamente pintado de um azul arroxeado com pinceladas laranja. As poucas nuvens ao horizonte pareciam algodão em chamas e o chão de concreto estava molhado devido à rápida garoa que caíra momentos antes.
Não se sabe se estava frio e ou se o calor do dia era mais forte do que os leves sopros de vento que brincavam de balanço com as samambaias penduras, mas a sensação era de paz e felicidade interna.
A felicidade parecia mesmo ter visitado aquela moça que apoiada no parapeito da janela, observava a dança das samambaias e o chão brilhar levemente. Visita essa que ocorreu dia anterior.
A paz e a calma também pareciam já ter ido embora. Ela na verdade estava em nervos fumegantes e sua sanidade parecia estar entrando em colapso: Ele não saia de seus pensamentos. Tentava de todas as maneiras que conseguia imaginar não pensar naquele rapaz que mal conhecia, mas seus esforços eram em vão. Perguntava-se porque ele não havia ligado se possuía os dois números telefônicos dela. Uma inquietude assombrava seu orgulho e gritava a sua vergonha para ligá-lo para saber se estava bem ou onde estaria. Ela respondia para si mesma que não deveria ligá-lo e que se houvesse interesse por parte dele, seu telefone tocaria, mesmo que fosse para dizer um simples oi.
Não fez muita coisa das quais deveria ter feito naquela tarde. Seus pensamentos estavam sufocando-se e sua espera era verdadeiramente heróica. Promessas de não procurá-lo se caso ele não ligasse e de deixar sua ingenuidade tomar o mínimo de vergonha ecoavam em meio aquela bagunça mental.
Queria assistir ao algum filme. De início, um convite sobrenatural estendia-se para um filme romântico, mas segundo depois os fantasmas logo gritavam por um de terror. Os filmes românticos não eram da aptidão daquela moça de vinte e nove anos, contudo, queria naquele momento viver uma história que nunca vivera, mas momentos depois, odiava-se por saber que não passaria de um filme.
De repente o telefone tocou.
Seu rosto passou a ferver, um frio na boca do estomago parecia querer encolher qualquer coisa e seu coração batia aceleradamente. Um alô soou quase mudo.
Era uma amiga perguntando algo sobre o trabalho.
Um desapontamento fino e gelado cortou sua esperança ao meio que agora fazia o possível para se unir.
Jantou, no entanto, a comida parecia estar sem gosto algum. Bebeu o refrigerante com vontade como se estivesse tentando afogar algum sentimento e foi naquele momento que percebeu que estava com sede.
Já estava escuro, mas não se podia ver as estrelas. Uma garoa grossa caia levemente e a sensação de frio aumentou um pouco. Não lavou a louça da janta e nem escovou os dentes. Para este, sua justificativa foi perguntar-se “pra que cuidar de sua higienização bucal se ninguém a queria mesmo?” e para aquela, se deixou vencer pela preguiça e desanimo.
Dirigiu-se para o quarto depois de dar uma última verificada no celular para ver se não havia nenhuma ligação perdida e suas expectativas murcharam-se.
Puxou o cobertor de micro-vibra de cor rosado angelicalmente macio e quente. Deitou-se e arrumou-se. O sono demorou a chegar. Sua mente era uma criança teimosa que insistia em permanecer brincando noite adentro. Dormiu finalmente, deixou o celular ligado para caso ele resolvesse ligar em alguma hora inesperada.
Acordou cedo, a primeira coisa que fez foi olhar o celular. Ficou decepcionada.
Durante o banho pensou muito. Ainda enrolada na toalha mandou uma mensagem desejando bom dia. E enquanto se arrumava para sair para o trabalho, pensou consigo mesma que o ligaria na hora do almoço.

Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 31/03/2011
Código do texto: T2882310


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