29 janeiro 2011

Papai e Mamãe Ensinaram-me Assim


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PAPAI E MAMÃE ENSINARAM-ME ASSIM


Era o ano de 2011 e Carlinhos tinha apenas sete anos. Sempre disposto a ajudar seus pais – lavar o carro, a louça e até às vezes, passava um pano umedecido na casa que acabava ficando um cheiro de cachorro molhado e deixando sua mãe furiosa.
Estava na segunda série e mal sabia ler e escrever, de fato não era muito para os estudos e sempre estava disposto aos trabalhos mais práticos. Não era o mais bonito, nem o mais forte e muito menos era o mais alto de sua turma. Era um garoto qualquer, igual a muitos outros garotos quaisquer.
Juliana era o nome da menina mais bonita da classe. Tinha os cabelos longos de um castanho louro e os olhos verdes. Branquinha, era sempre cobiçada pelos garotos. Carlinhos estava apaixonado, no entanto, achava que não tinha muita chance com ela.
Aos domingos, adorava ir ao campo ver seu pai – um rapaz de vinte e seis anos – jogar bola. Adorava futebol, mas gostava também de vôlei e de natação, apesar de não saber nadar. Contudo, Carlinhos era sempre repreendido, tanto pelo pai quanto pela mãe, quando jogava vôlei: diziam que não era esporte de macho.
Certo dia, pediu para ser matriculado na natação em um programa esportivo oferecido gratuitamente em sua cidade, mas seu pai disse que na natação só tinha viadinhos e perguntou ao filho se ele gostaria de ser considerado uma bichinha e é lógico que Carlinhos disse que não. E foi dessa forma que aquele garoto deixou de ser um grande nadador.
Era sábado à tarde, quando sua mãe – que acabara de fazer vinte e dois anos – surpreendeu-o lendo um livro infantil cujo conteúdo era composto mais por figuras do que enunciados – era uma história de fantasia. Carlinhos levou um belo xingo.
Adorava também ajudar o pai a consertar a moto velha e achava muito interessante todas aquelas ferramentas. Adorava ficar pela rua, nos finais de tarde, jogando bola. Uma vez, foi com o pai a um boteco, no bairro onde morava, comprar umas cervejas e conheceu alguns amigos de seu pai – um deles ainda cursava o supletivo.
_ Ih ae jow?! Belezinha véio! – Pai de Carlinhos cumprimentou os seus três amigos.
_ Fala ae seu fruta! Fiquei sabendo que você casou meu. Tava onde com a cabeça maluco? – Perguntou um dos amigos.
_ Pow mew, a mina ficou grávida véio. Ae já viu mew! Esse aqui é o meu meninão véio! – E apresentou Carlinhos que estendeu a mão para um aperto. Estava meio envergonhado, mas nada que fosse exagerado ou demais.
_ E ae muleke! Firmezinha contigo?
_ Beleza... – Carlinhos respondeu meio tímido.
_ Oh jow, esse muleke não é filho seu não véio. Você é feio pra caralho maluko! – Riram todos.
Foi quando Carlinhos foi questionado por um dos amigos de seu pai:
_ E ae muleke tah pegando muita mina?
Seu pai riu e ele também. A diferença era que seu pai ria inflado e ele ria corado.
_ E ae já comeu uma já? – O outro questionou ao garoto e seu pai logo respondeu por ele.
_ Não, que isso jow! Ele só tem sete anos. muito cedo, quando tiver uns dez já pode já! – E riu.
_ Ah muleke!!! – Exclamou o que fez a pergunta anteriormente.
Carlinhos era um garoto feliz e adorava seus pais e sua vida. Passava o maior tempo na casa da sua avó que morava perto. Almoçava todos os dias lá. Sua mãe não costumava fazer almoço.
Certa vez, Carlinhos estava com a avó quando seu pai foi buscá-lo e o encontrou lavando a louça para a senhora que não se sentia muito bem. Seu pai discutiu por colocarem seu filho para lavar louças e quando chegou em casa, Carlinhos levou uma surra.
_ Não quero você lavando louça não seu porra! Da próxima vez arregaço com você! Tá me ouvindo?! Filho meu não fica fazendo serviço de mulher!!!
E Carlinhos cresceu. Saiu de casa cedo também – com dezoito anos – e foi morar com uma moça que se mudara, não muito tempo, para o bairro onde morava.
Seu pai entrou para o tráfico quando Carlinhos tinha quatorze anos e falecera quando ele tinha dezessete. A mãe de Carlinhos começou a ficar muito doente e passou a precisar da ajuda de terceiros.
Carlinhos mudara-se várias vezes e morara com várias mulheres. Tinha algumas por esposa e outras apenas para ter como foda-fixa. Até que encontrou uma que fizera sua cabeça e apaixonou-se por completo. Casou-se para valer aos trinta e sete e teve três filhos.
Os anos se passaram cheios de autos e baixos, vitórias e derrotas e a única coisa de que sua esposa reclamava era o jeito machista do marido.
Carolina, a mãe de Carlinhos, fora morar com o filho, depois de alguns anos por forças maiores. Inexplicavelmente, depois da morte do marido, passou a ter problemas psicológicos. Não era muito fácil e nem seu filho tinha grande poder aquisitivo, mas a amava mesmo assim e Carolina ficou com eles por quase três anos.
Cuidar de idoso é uma função que requer muita paciência e muito carinho. Coisa que sua nora não tinha e de tanto reclamar para o marido, fez com que esse também perdesse a sua paciência.
Carlos odiava ser chamado de filho da mamãe ou de qualquer coisa que colocasse em dúvida a sua masculinidade. Nunca recusara transar com mulher alguma por achar que homens machos de verdade não negam fogo. E com a sua esposa chamando-o de banana, frouxo, trouxa e filho da mamãe e por questionar se ele passaria o resto da vida cuidado de uma velha e por sempre afirmar que ele precisava educar seus filhos e fazer deles homens e mulher de verdade, Carlos acabou internando sua mãe em uma casa para idosos.
Carolina tinha 62 anos e nem era tão idosa assim. Parecia saber o que ele fizera. Ficou muito triste. Nos três primeiros meses, chegou a receber visitas, mas vira seus netos apenas mais uma vez. Depois disso foi esquecida e abandonada.
Carlinhos que crescera e já estava quase à idade para também ser deixado em um asilo, pagava mensalmente à casa onde abandonara a mãe.
Carolina viveu por mais seis anos e durante esse tempo, fora mal tratada, sofreu agressões, ficou dias sem tomar banho e comer, apanhava quando defecava no lençol, já que ficava a maior parte do dia deitada e nua. Surgiu até uma grande ferida próxima ao seu ânus por não haver uma higienização adequada.
Hoje estamos em 2059. Carlos tem cinqüenta e cinco anos de idade, estudara e mudou de profissão. O comércio no qual vende seus produtos mudara bastante e está muitíssimo competitivo. É dia de culto e mais uma noite de trabalho e arrecadações. Sua esposa também trabalha com ele e juntos têm a missão de levar o Bem às pessoas e, por um programa televisivo, Carlos ressalta e salienta os importantes valores morais e a honra de ser um verdadeiro homem e homem de bem.

Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2011
Código do texto: T2758495



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