07 janeiro 2011

A Praça

Muro - disponível no site Bahia Notícias


A PRAÇA

Era uma grande área verde que, aos poucos, fora diminuindo e na medida que a civilização avançava, perceberam que aquela área seria extinta e antes mesmo que a primeira casa fosse construída do outro lado da rua, fizeram do lugar uma espécie de praça. Dessa forma não seria fácil adquirir um terreno bem ao lado. Um lugar muito agradável e muito bonito atraia muitas pessoas durante o dia e à noite. No entanto o seu público diurno era um e o noturno era outro ou o mesmo, mas com objetivos diferentes.
Durante as manhãs, tardes e inícios de noites, famílias inteiras frequentavam a praça, alguns corriam, outros malhavam e havia até uma quadra na qual raramente não deixava de ocorrer algumas partidas de futebol, vôlei, basquete e até handebol. Durante à noite mais adentro, até à meia noite, alguns carros ficavam parados e de um lado, havia gigolôs e do outro lado da praça, ficavam algumas prostituas. Havia poucas casas muito próximas à praça, mas mesmo tendo que caminhar alguns poucos minutos, todos adoravam visitá-la.
Todos também tinham conhecimento do que existia mais atrás da área verde em uma área meio que isolada, mas integrada a ela. Um terreiro que discretamente ocupava um espaço quase não percebido por moradores de outros bairros que só sabiam do fato se chegassem ao próprio lugar ou se algum frequentador os dissesse. Raramente se via as pessoas que iam ao terreiro e muito mais raramente se via as pessoas vestidas de branco. Era mágico como também não podia ouvir os tambores batendo, mas em noite muito silenciosas – o que era quase impossível acontecer naquele bairro quase cidade – dava-se para ouvir longe alguma coisa.
No início, aconteceram alguns conflitos entre aqueles que iam ao terreiro e alguns moradores e frequentadores diários da praça. Criticavam todos aqueles que levantassem bandeira a favor do espaço discriminado. A procura pelo sexo que acontecia durante as noites incomodava algumas pessoas e a maioria delas eram as mesmas que se incomodavam com a ideia do terreiro, no entanto, incomodo com esse era maior do que o incomodo com o aquele. Alegavam que as pessoas que frequentavam e moravam ali perto, eram pessoas de bem.
Após verem que nada influenciava no convívio entre todos e que suas famílias podiam ir àquela área de lazer e lá ficarem por horas, ninguém quase se lembrava do terreiro meio escondido, nem ele virava assunto. Era visto como uma parte misteriosa da praça e até visto com graça por alguns moradores que chegaram até conhecê-lo por curiosidade.
A praça era charmosa e tinha o dom de nutrir nos humanos um carinho por ela. Sua fama parecia ser liberada junto ao oxigênio nos topos das árvores e levada pelo vento que percorria até os outros bairros gritando por entre as casas e prédios e logo vinham visitantes curiosos e carentes por um lugar bonito, calmo e familiar. Contudo, a praça criava sua fama e algumas pessoas criavam outra para ela. Também se ouvia a respeito das coisas que aconteciam durante as noites, e muito se falavam nos bairros um pouco mais distantes, sobre o terreiro e histórias a ele eram acrescentadas, de modo que percorria em alguns lugares e entre alguns grupos, que o local era uma bagunça geral, frequentada apenas por prostitutas, homossexuais, travestis, viciados, feiticeiros e macumbeiros.
Certa manhã, uma das moradoras próxima a praça, voltava correndo depois de uma hora de exercícios matinais, quando um grupo de adolescentes moradores de outro bairro começaram a ofendê-la chamando-a de macumbeira e bruxa. Coisa que a magoou, mas preferiu não duelar com aqueles garotos e garotas.
Tal cena acontecia, não com muita frequência, mas fazia os mais antigos frequentadores da praça a questionarem o porquê daquilo e não entendiam porque pessoas que nem conheciam o local, sua história, nem mesmo morava próximo dali, incomodavam-se tanto com o terreiro e seus frequentadores ou achar que todos que freqüentavam a praça eram da mesma religião.
O que era um lugar de prazer virou um lugar de problemas. Tem até quem teve problemas com relacionamento por saberem que fulano ou fulana frequentava ou gostava de ir à praça às vezes. Houve até em uma tarde fria, o pior dos episódios que os vizinhos presenciaram. Comerciantes das proximidades frustraram a tentativa de agressão a um casal – ele de 28 e ela de 26 e grávida de cinco meses. Alegavam que ela estava grávida do filho da besta.
As pessoas ainda frequentavam a praça durante o dia, à noite, esta ficava quase deserta, já não iam mais prostitutas e gigolôs. Dos moradores indignados, poucos aproveitavam tal situação para não deixarem de fazer seus exercícios à noite.
Jogavam pedras, quebraram algumas lâmpadas que davam um toque todo romântico e misterioso à praça e algumas tentativas de violência física e verbal levaram as autoridades a tomarem providências: abandonar os cuidados para com o espaço – claro que não disseram isso à população – mas acreditavam que se a praça ficasse feia, ninguém – além dos viciados e prostitutas viciadas – frequentaria o lugar e isso resolveria muitos problemas.
A população não se deixou vencer e eles próprios, em mutirões, faziam algumas limpezas e não deixavam o capim crescer e avançar. E tendo conhecimento de tal falto, o prefeito mandou fechar o terreiro, demolir seu espaço físico e orientou a sua construção em um lugar mais apropriado segundo o documento oficial apresentado. Mandou também derrubar as árvores e cercou a praça construindo um grande muro.
Hoje, estão no início do preparo do terreno para construir o que parece ser um conjunto habitacional e no muro ainda está a frase em tinta preta desbotada que fora pichada semanas depois do fechamento da praça: "Justissa divina pode tarda, mas não falhia!"

Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 07/01/2011
Código do texto: T2715850



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2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima metafora! Coisas tão corriqueiras e tão ignorantes.

Belo conto!!!

Anônimo disse...

Eu não entendi direito. E que metáfora é essa que falaram e prq apareceu deus no final?
Vc poderia explicar ne?