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A PRAÇA
Era uma grande área verde que, aos poucos, fora diminuindo e na medida
que a civilização avançava, perceberam que aquela área seria extinta e antes
mesmo que a primeira casa fosse construída do outro lado da rua, fizeram do
lugar uma espécie de praça. Dessa forma não seria fácil adquirir um terreno bem
ao lado. Um lugar muito agradável e muito bonito atraia muitas pessoas durante
o dia e à noite. No entanto o seu público diurno era um e o noturno era outro
ou o mesmo, mas com objetivos diferentes.
Durante as manhãs, tardes e inícios de noites,
famílias inteiras frequentavam a praça, alguns corriam, outros malhavam e havia
até uma quadra na qual raramente não deixava de ocorrer algumas partidas de
futebol, vôlei, basquete e até handebol. Durante à noite mais adentro, até à
meia noite, alguns carros ficavam parados e de um lado, havia gigolôs e do
outro lado da praça, ficavam algumas prostituas. Havia poucas casas muito
próximas à praça, mas mesmo tendo que caminhar alguns poucos minutos, todos
adoravam visitá-la.
Todos também tinham conhecimento do que existia mais
atrás da área verde em uma área meio que isolada, mas integrada a ela. Um
terreiro que discretamente ocupava um espaço quase não percebido por moradores
de outros bairros que só sabiam do fato se chegassem ao próprio lugar ou se
algum frequentador os dissesse. Raramente se via as pessoas que iam ao terreiro
e muito mais raramente se via as pessoas vestidas de branco. Era mágico como
também não podia ouvir os tambores batendo, mas em noite muito silenciosas – o
que era quase impossível acontecer naquele bairro quase cidade – dava-se para
ouvir longe alguma coisa.
No início, aconteceram alguns conflitos entre aqueles
que iam ao terreiro e alguns moradores e frequentadores diários da praça.
Criticavam todos aqueles que levantassem bandeira a favor do espaço
discriminado. A procura pelo sexo que acontecia durante as noites incomodava
algumas pessoas e a maioria delas eram as mesmas que se incomodavam com a ideia
do terreiro, no entanto, incomodo com esse era maior do que o incomodo com o
aquele. Alegavam que as pessoas que frequentavam e moravam ali perto, eram
pessoas de bem.
Após verem que nada influenciava no convívio entre
todos e que suas famílias podiam ir àquela área de lazer e lá ficarem por
horas, ninguém quase se lembrava do terreiro meio escondido, nem ele virava
assunto. Era visto como uma parte misteriosa da praça e até visto com graça por
alguns moradores que chegaram até conhecê-lo por curiosidade.
A praça era charmosa e tinha o dom de nutrir nos
humanos um carinho por ela. Sua fama parecia ser liberada junto ao oxigênio nos
topos das árvores e levada pelo vento que percorria até os outros bairros
gritando por entre as casas e prédios e logo vinham visitantes curiosos e
carentes por um lugar bonito, calmo e familiar. Contudo, a praça criava sua
fama e algumas pessoas criavam outra para ela. Também se ouvia a respeito das
coisas que aconteciam durante as noites, e muito se falavam nos bairros um
pouco mais distantes, sobre o terreiro e histórias a ele eram acrescentadas, de
modo que percorria em alguns lugares e entre alguns grupos, que o local era uma
bagunça geral, frequentada apenas por prostitutas, homossexuais, travestis,
viciados, feiticeiros e macumbeiros.
Certa manhã, uma das moradoras próxima a praça,
voltava correndo depois de uma hora de exercícios matinais, quando um grupo de
adolescentes moradores de outro bairro começaram a ofendê-la chamando-a de
macumbeira e bruxa. Coisa que a magoou, mas preferiu não duelar com aqueles
garotos e garotas.
Tal cena acontecia, não com muita frequência, mas
fazia os mais antigos frequentadores da praça a questionarem o porquê daquilo e
não entendiam porque pessoas que nem conheciam o local, sua história, nem mesmo
morava próximo dali, incomodavam-se tanto com o terreiro e seus frequentadores
ou achar que todos que freqüentavam a praça eram da mesma religião.
O que era um lugar de prazer virou um lugar de
problemas. Tem até quem teve problemas com relacionamento por saberem que
fulano ou fulana frequentava ou gostava de ir à praça às vezes. Houve até em
uma tarde fria, o pior dos episódios que os vizinhos presenciaram. Comerciantes
das proximidades frustraram a tentativa de agressão a um casal – ele de 28 e
ela de 26 e grávida de cinco meses. Alegavam que ela estava grávida do filho da
besta.
As pessoas ainda frequentavam a praça durante o dia,
à noite, esta ficava quase deserta, já não iam mais prostitutas e gigolôs. Dos
moradores indignados, poucos aproveitavam tal situação para não deixarem de
fazer seus exercícios à noite.
Jogavam pedras, quebraram algumas lâmpadas que davam
um toque todo romântico e misterioso à praça e algumas tentativas de violência
física e verbal levaram as autoridades a tomarem providências: abandonar os
cuidados para com o espaço – claro que não disseram isso à população – mas
acreditavam que se a praça ficasse feia, ninguém – além dos viciados e
prostitutas viciadas – frequentaria o lugar e isso resolveria muitos problemas.
A população não se deixou vencer e eles próprios, em
mutirões, faziam algumas limpezas e não deixavam o capim crescer e avançar. E
tendo conhecimento de tal falto, o prefeito mandou fechar o terreiro, demolir
seu espaço físico e orientou a sua construção em um lugar mais apropriado
segundo o documento oficial apresentado. Mandou também derrubar as árvores e
cercou a praça construindo um grande muro.
Hoje, estão no início do preparo do terreno para
construir o que parece ser um conjunto habitacional e no muro ainda está a
frase em tinta preta desbotada que fora pichada semanas depois do fechamento da
praça: "Justissa divina pode tarda, mas não falhia!"
Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 07/01/2011
Código do texto: T2715850
Código do texto: T2715850
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2 comentários:
Ótima metafora! Coisas tão corriqueiras e tão ignorantes.
Belo conto!!!
Eu não entendi direito. E que metáfora é essa que falaram e prq apareceu deus no final?
Vc poderia explicar ne?
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