"Fotos de um casebre abandonado" por Pedrooo
“Tento rir de tudo e esconder as lágrimas porque
garotos não choram.” – The Cure.
garotos não choram.” – The Cure.
PROÊMIO
Caro leitor, a história que se realiza por meios de
palavras nos próximos pedaços de papel, inexplicavelmente, brotou, há quinze
dias, em minhas idéias, atrapalhando-me na escritura de outro conto de
fantasias. E você deve estar perguntando-se que tipo de conto carece proêmio.
Tentei no que pude abortar esse meu filho.
Digo filho porque essa é uma expressão usada por um poeta amigo meu. Segundo
ele, todo texto que escrevemos, na verdade, é um filho nosso porque os parimos
e alguns são – no termo figurativo da palavra – dolorosos.
A idéia desse conto não me deixou por um
só instante e não consegui dar leveza à situação que se sucedeu e nem consegui
transcrever fielmente as falas das personagens. Confesso que tenho grande
dificuldade com os discursos diretos e as transcrições.
Quero primeiro descartar e que descartem
qualquer semelhança com pessoas de histórias reais. Não tenho e nunca tive a
pretensão de tornar alguns seres do nosso dia-a-dia em personagens de contos,
seria muita babaquice minha fermentar seus (deles) egos. E afirmo que esse
proêmio não tem característica de justificar coisa alguma, acredito que nenhum
conto ou poema careça de uma justificativa.
E para não deixar esse prólogo mais inútil
do que já está – se isso for possível fazer – quero avisar que qualquer
semelhança com a vida real é mera coincidência.
Samir S. Souza.
12/12/10
1
Se arrancassem seus olhos e os pendurassem
no teto, viriam agora um grupo de seis jovens, quatro rapazes: dezesseis,
dezoito, vinte e quatro, vinte e sete anos e duas moças ambas de vinte e seis.
O criador do espetáculo, assim como
costumava chamar, em seus pensamentos, aquela situação que apenas acabara de
começar, era Renato, um belo rapaz, magro, estatura média, branco, cabelos
negros e encaracolados, olhos castanhos claros de aproximadamente vinte e dois
anos.
Renato sabia que não era mais o garoto que
costumava ser e, sabia também, que o deixara para trás há algum tempo, no
entanto, não sabia exatamente o que se tornara. Seus amigos o viam como um
indivíduo espetacularmente singular e tinham sua imagem assemelhada a um
provável futuro ganhador Nobel da paz.
Ouvimos de vez em vez que os opostos se
atraem e que há pessoas que são simplesmente boas e outras más e que o amor
pode, em segundos, tornar-se ódio. É bem provável também que o homem tem a
capacidade de ir aos extremos em segundos e que talvez, apenas a força divina
possa controlá-lo. Acredito que uma pessoa boa não é apenas uma pessoa boa, da
mesma forma que a parte frontal do meu corpo não é igual à parte traseira. Uma
pessoa extremamente boa guarda em seu abismo interior a mesma pessoa
extremamente má na mesma proporção de sua bondade e vice e versa. Renato tinha
em seus olhos uma divindade que não raramente assustava. Aquele castanho claro
apaixonante era, por vezes, tão maldoso na sua beleza.
Renato sempre teve pessoas, ao seu redor,
que duvidavam da sua masculinidade, sempre teve pessoas que o nomeavam
animalescamente, mas nunca deu muita importância para o que achavam, apesar de
tentar esconder suas feridas que pareciam ser incicatrizáveis. Sempre haveria
alguém disposto a não deixá-las secarem.
Os fatos que ainda ocorrerão de forma,
talvez cruéis e muito bem calculados, tiveram seu início há quatro meses. Na
verdade o início ocorreu há muito tempo. Já muito tarde, nas proximidades de
uma agitada e rica avenida, andavam com alguns amigos Renato e seu irmão
Gustavo quando um grupo de aproximadamente oito pessoas, entre elas duas moças,
começaram coletivamente a agredi-los e gritar palavras que os insultavam.
Tal fato mudou o cotidiano de Renato e seu
irmão que ainda estava na UTI de qualquer hospital público na companhia de sua
mãe que, a essa altura, já se tornara uma morta viva. Seus pais, especialmente
seu pai, nutriram um sentimento de raiva e ódio por pessoas que cultivavam a
violência gratuita e enxerida. Ele que nunca deu muita importância ao filho
pela sua condição sexual, agora estava disposto a enfrentar aquela matéria mais
sólida e inquebrável quanto à lava endurecida de um vulcão.
Inês, a mãe de Renato, sempre ouvira do
marido que ele se preocupava com o filho e por isso não agradava a idéia do
garoto não ser ou fazer exatamente o que queria que fizesse, as coisas que
sonhou para seu filho e seus desejos que seu filho poderia tornar reais. À Inês
também não agradava a idéia de ter a certeza que no futuro não teria um neto,
filho de um de seus filhos, mas tal frustração não a impedia de amá-lo. Renato,
no entanto, sabia que seu pai não se preocupava com ele, mas consigo próprio,
não estava preocupado com o que poderia acontecer com ele e sim preocupava-se
com as coisas maldosas pintadas de brincadeiras que poderia ouvir dos amigos da
família, familiares e até dos vizinhos. Renato teve certeza também, que
depois das agressões sofridas, seu pai mudara totalmente a forma de pensar, só
não tinha a certeza dos motivos daquelas mudanças.
Dalí, dois dias para frente, seria o que
chamam de espetáculo da cidadania, a manifestação do desejo do povo. Renato
teve ajuda de seu pai e de alguns amigos e uma amiga. Como a polícia ainda não
resolvera o caso ocorrido entre ele e o irmão, decidiram então, por conta
própria, por justiça própria, resolver.
As pessoas quando estão realmente
decididas a alcançar suas metas e estão tão motivadas a isso, conseguem, em tão
pouco tempo, descobrir coisas que parecem ser quase impossíveis. E como um
milagre, e claro, com a ajuda de algumas informações concedidas no inquérito
pela polícia, Renato e seu pai tornaram-se verdadeiros detetives e
incrivelmente criminosos que ficam à espreita, prontos para o ataque no melhor
momento.
Com a ajuda da combe branca de seu pai,
levaram quase todos em um único dia, ficando assim, apenas dois para o próximo.
Ficaram um pouco frustrados por não conseguirem pegar a gangue toda.
Levaram-nos para uma casa escondida próximo ao parque ecológico do Tietê de
onde seria muito difícil alguém escutar qualquer coisa.
Era uma casa de dois cômodos apenas,
paredes de tijolo sem reboque, o chão de terra batida. Um dos cômodos era
bastante amplo e parecia que a sua construção fora abandonada às pressas.
Tinham as mãos e os pés amarrados, estavam todos apoiados, cada um, em um
pequeno tronco de árvore. Apenas os dois jovens que foram levados por último,
ainda estavam desacordados, deitados de rosto no barro avermelhado.
Foram colocados com certa distância uns
dos outros, e se olhados de cima, suas posições formavam um grande C. Foram
colocados dessa forma porque Renato queria que todos se olhassem. Subia uma
poeira que dançava no ar e vestia os raios de sol que entravam pela janela que
ficava na parede defronte para o grupo acorrentado.
Pedro, o pai de Renato, já havia avisado
ao filho que apenas o ajudaria na captura, mas que o resto seria por conta do
filho. Não queria ver o que estava para acontecer. Renato sabia que, apenas ele
e três amigos, tinham coragem suficiente para prosseguir com aquilo.
Já estavam todos acordados e eram
observados por Daniel, um rapaz negro, alto e forte integrante do grupo de
Renato. Esse por sua vez, entrou no cômodo e apenas uma das moças o reconheceu.
Tinha em seu rosto uma expressão de satisfação e autoridade, cumprimentou o
amigo, ambos de modo muito másculos.
Daniel e Renato tiraram as mordaças
daqueles pobres jovens ricos e depois de feito, aquele se retirou do cômodo.
_ Sua bicha, você vai se foder, viado do
caralho! – Gritou o mais velho do grupo, Miguel.
Renato riu.
_ Tira agente daqui, por favor! Não temos
nada com sua vida... – afirmou uma das moças com um tom de voz amigável,
educado e desesperado.
_ Socorro! – Gritou, suplicamente, o macho
de dezoito anos.
Junto ao seu grito, começaram todos a
gritar por ajuda e tinham em mente que seriam logo ouvidos, já que era de
manhã. Enquanto gritavam, Renato pegou, em um gesto simples, um cabo de
vassoura que estava encostado na parede a sua trás e apoiando-se a ele, sentou
em uma cadeira de plástico que fora colocada de frente para o grupo que parecia
naquele momento o público e o artista ou o rei com o cajado e os plebeus.
Ao perceberem que Renato não fazia nada a
não ser olhá-los, pararam de gritar enquanto uma das moças começou a chorar e o
rapaz de vinte e quatro anos começou a pedir ajuda a Deus. Ficaram olhando
aquele rapaz de cabelos encaracolados e olhos castanhos claros e que, naquele
momento, pareciam verdes devido à luz do sol que entreva pela janela e
iluminava o chão a frente dele e dos pobres indivíduos feitos de reféns.
_ Vocês podem gritar a vontade, ninguém
vai ouvi-los. Estamos longe da cidade, e mesmo se ouvissem qualquer coisa, não
viriam ver, estamos no meio do mato. – Mexeu as sobrancelhas para cima e para
baixo com um malicioso sorriso – E como está de dia e com o barulho do
transito, fica mais difícil de ouvirem alguma coisa.
_ Seu viado filho da puta!
_ Bem, não sei se sou filho da puta e se
eu for, não tenho preconceito contras putas. – riu.
Entrou Rafaela, a única amiga de Renato
que tinha coragem para testemunhar tudo o que se passava e que ainda estava por
passar.
_ Seu pai disse que qualquer coisa só
avisar. Lá fora, estão o Daniel e o Digão.
_ Beleza, acho que por enquanto não vou
precisar de ajuda. E aquele esquema lá fora?
_ O seu pai já deixou tudo pronto. Mas
você não vai fazer o que eu acho que vai ne?
_ Não sei o que você acha. – Riu. Mas se
for o que eu estou pensando, vou sim. Por quê?
_ Nossa, teria coragem?
_ E por que não?
_ Nossa, quero morrer sua amiga.
Riram ambos, enquanto recebia das mãos
dela, uma mochila que aparentava estar pesada.
Depois de alguns minutos e muitas ofensas
e gritos, Miguel exclamou várias vezes que pessoas como Renato tinham que
morrer e que seu namoradinho era apenas um a menos.
_ Ele é meu irmão! – Retrucou Renato com
voz áspera.
As moças se olharam como crianças que
acabaram de quebrar o jarro da mãe e, após alguns segundos mudos, Miguel
novamente se pronunciou raivosamente.
_ Agente deveria ter matado vocês, deveria
ter enfiado uma lâmpada no seu rabo. Deveriam ser arrombados com tacos de
beisebol.
Sem dizer palavra alguma, Renato
dirigiu-se ao outro cômodo e podiam escutá-lo chamar por Daniel que veio logo
em seguida e juntos entraram no cômodo onde estavam todos. Foram naquele
momento, amordaçados novamente.
Daniel sentou na cadeira enquanto Renato
abria a mochila que estava sobre uma velha pequena e quadrada mesa de madeira
no canto esquerdo da parede. Os olhos daqueles seres amordaçados estavam
regalados e tinham um brilho digno de admiração. Ele tirou um grande consolo de
um marrom muito intenso.
Aquele objeto causou tamanho desespero nos
rapazes que, humilhadamente, estavam meio que de joelhos sobre o barro.
Tentavam gritar, mas suas amordaças impediam o desespero de sair de suas bocas
e abafavam o grito.
Renato estava sério, seus olhos fitaram
Miguel que também não tirava os olhos daqueles dois rapazes a sua frente e
balançava com cabeça pedindo para que não fizessem o que ele estava certo de que
iam fazer.
Com o consolo em mão, Renato dá a volta em
torno de todos como se estivesse brincando de lencinho branco. Estavam todos muito assustados. Parou atrás de
Miguel que tentava acompanhar Renato com a cabeça. Tinha também os joelhos
amarrados e sentiu Renato agachar-se por detrás dele e com a duas mãos
amarradas para trás, tentou segurar qualquer parte do corpo daquele
terrivelmente ser gay que deixara o consolo sobre o chão e abria o cinto, botão
e zíper da calça de Miguel.
Gritavam, ou pelo menos tentavam todos.
Miguel já estava de nádegas sem proteção alguma.
_ Olha o pauzinho dele. Agora sei porque
você tem tanta raiva de gays. – Riu e depois de uma descoberta, levou o tom de
voz ao deboche e continuou: _ E ainda tem fimose, fala sério cara. É tão homem
e nem se preocupa com isso. Mostra pra ele Daniel o que é um pau de verdade.
Daniel levantou-se e abriu o zíper, tinha
um sorriso no rosto e colocou para fora, estava excitado o que deixou Renato
surpreso e criou nele uma sensação de temor. Com o zíper aberto e seu conteúdo
saltando para fora, aproximou-se do rosto de Miguel que teve em seu rosto o que
ele nunca imaginou que teria e sentiu-o sobre os olhos e sobre o nariz. Fechava
os olhos e tentar gritar, balançava muito a cabeça enquanto seus amigos viam
tudo inquietos e certos de que o “viado” que eles agrediram não estava
brincando.
Depois de gargalhadas e voltar ao seu
lugar com o zíper fechado, Daniel sentou-se e ficou a observar calado. Renato
acariciava as nádegas de Miguel que tentava insultá-lo e tentava em vão deixar
as mãos de Renato longe dele. Sentiu um dedo fazer pressão e logo em seguida,
em um ato brusco e violento, sentiu entrar-lhe aquele consolo.
Gritou e começou a chorar. Gritava como
quem corta-lhe os dedos e junto aos seus gritos, seus amigos também gritavam,
talvez por temerem que aquilo acontecesse a eles também. Sentia dolorosamente
aquele objeto entrar e sair e sentiu por volta de três minutos.
Com o consolo em mão, Renato exibia-o como
um troféu aos amigos de Miguel e após ficar frente a frente daquele homem que
acabara de ter sua virgindade rompida, esfregou, em seu rosto, aquele
instrumento ensangüentado. Sua dor deu ao seu rosto uma expressão de cansaço e
o cheiro do sangue, misturado à fezes, inquietou o seu estômago.
Camila, uma das moças, observava e tinha
em seu rosto a estampa do medo, mas não gritava e tentava, poucas vezes,
livrar-se das cordas. Olhou seu amigo apoiar a cabeça no chão, parecia sofrer e
parecia também não querer olhar para ninguém, era claro que estava
envergonhado.
Renato tinha apenas mais três dias para
acabar com tudo aquilo e sabia que cada dia que deixasse ser um novo capítulo,
os riscos também aumentavam. Tinha apenas a preocupação de ser pego em
flagrante.
Todos viram o desespero de Miguel quando
ele viu uma pequena linha de sangue escorrer lentamente por entre as pernas. Em
meio a choros e gritos, bradava palavrões e insultos a Renato, tentava ofender
de qualquer forma que parecesse ser mais cruel e audível por meio da amordaça.
Tentou levantar-se, mas seus joelhos amarrados o impediram.
_ Você quer me dizer algo? – Tirou sua
amordaça e com a outra mão puxou seus cabelos erguendo seu queixo.
_ Por que isso? – Miguel questionou com um
tom mais amigável.
_ Porque disso? Então você se acha no
direito de sair batendo em qualquer um na rua só por suspeitar de serem gays e
acha que isso é um direito que te foi atribuído? E mesmo se são gays ou não o
que você e seus amigos têm com isso? Algum gay te obrigou a transar com ele?
Você acha que corre o risco de transar com alguém do mesmo sexo? – Riu.
Miguel ficou calado apenas observando os
olhos devoradores de Renato. Um soco foi dado, e puxado novamente pelos cabelos
recebeu outro soco e tal ação repetiu-se quatro vezes. Seu nariz sangrava.
_ Então você acha que um gay não é homem
de verdade, certo?
_ Vai se foder... – e percebendo que a
despedida com suas esperanças estava próxima, começou a choramingar.
_ Então o que faz um homem ser homem é
simplesmente o fato de ele enfiar o pau dele numa boceta? – Largou os cabelos
de Miguel e foi em direção as duas moças. Puxe-lhes pelos cabelos e repetiu a
mesma pergunta.
Elas ficaram caladas, pareciam tentar
chorar, mas o medo não as deixava. Amordaçadas com o rosto voltado para o alto,
viram a imagem de um rapaz que julgaram em suas mentes, ser bonito. Sentiram um
puxão mais forte e sentiram dor. Foi cobrada a resposta delas, mas ficaram
caladas.
_ É, não é a toa que são feitas de trouxas
pelos caras. Não é a toa que eles querem apenas foder e mais nada. São vocês
que os ensinam assim, não é? Merecem mesmo serem traídas por caras que se dizem
muito homens, mas que, às escondidas, trepam com outros caras. Ou pior,
julgam-se bons amigos e vão para casa de algum deles bater punheta todos juntos
assistindo filme pornô. – Largou seus cabelos e foi até a mesinha após ter dado
um leve chute nas costelas de Caio, o de dezesseis.
Saíram Renato e Daniel após verificarem se
estavam todos mesmo muito bem amarrados. Umedeceram um pano de chão em um
líquido transparente e o pressionaram sobre as narinas dos jovens que em
segundos adormeceram.
2
Já estavam acordados quando viram pela
janela que o céu estava dourado, sabiam que já estava anoitecendo. Tentaram, em
vão, arrumar alguma forma de desamarrarem-se. Ouviram os tilintares das
correntes que vinham do outro cômodo, era obvio que saíram e os deixaram
trancados. Os seis olharam, em sincronia, entrarem em fila indiana, Renato,
Daniel, Rafaela e pela primeira vez, fivam Digão, um rapaz de cabelos castanhos
e muito curtos, olhos esverdeados, corpo muito magro e usava óculos de grau. O
último trazia uma garrafa. Colocou-a sobre a mesa e sem olhar para nenhum
daqueles indivíduos que estavam ali jogados no chão, saiu novamente na
companhia de Rafaela.
Daniel pegou a caneca de metal que estava
sobre a tampa da garrafa, colocou-a sobre a mesa e abriu o grande recipiente,
encheu a caneca e deu água na boca a cada um dos enclausurados. Fazia-o com um
geste solene, muito educado enxugava suas bocas e os olhavam com piedade.
Após Daniel ter terminado de matar a sede
alheia, Renato chutou Miguel no peito de modo que ele caiu de costas meio
desajeitado. Sentiu suas nádegas em contado com o chão frio. Aquela sensação de
infância, de criança brincando com barro, deu a ele uma agradável sensação, mas
logo foi substituída pela dor do rompimento. Suas calças foram puxadas até as
panturrilhas, gritava e tentava se bater o máximo que podia como tentativa de
conseguir qualquer fio de esperança.
_ Quer que eu chame a Rafa? – Daniel questionou
levantando-se do banco.
_ Sim, sim. Por favor.
Daniel saiu e logo depois Rafaela entrou
sozinha. Ela era enfermeira e se ofereceu a ajudar em casos extremos, quanto às
feridas ou outras coisas. Viu que Miguel estava quase nu e teve dó dele, viu em
sua face uma suplica por misericórdia.
_ O que você vai fazer?
_ Bem, vou transformá-lo em um homem de
verdade, depois eu cuido do resto. Só preciso de você para fazer o estancamento
de sangue e com a ajuda do Digão levá-lo daqui.
Começaram todos a gritar abafadamente,
pareciam porcos prontos para o abate. Retorciam-se o máximo, mas tudo era em
vão.
Rafaela pegou fitas, gazes, álcool e
algumas luvas. Tinha um grande kit de primeiros socorros. Abriu uma toalha no
chão próximo de Miguel que tentava a todo custo gritar. Ela e Renato vestiram
um longo jaleco branco e cobriram as mãos com as luvas plásticas. Naquele
momento, todos estavam desesperados, Miguel observava estarrecido. Teve sua amordaça
retirada por Renato:
_ Não! O que vão fazer, pelo amor de Deus!
Não, eu imploro! Se for dinheiro, não tem problema, eu arrumo, mas, por favor,
eu imploro – Exclamava em meio a choros.
_ Não se preocupe, você não vai morrer.
Pelo menos não é o que queremos que aconteça. Queremos que você viva.
Aquelas palavras deram, por alguns
instantes, um conforto insano aos colegas que ainda estavam amordaçados. No
entanto, conforto esse que se transformou em verdadeiro horror após assistirem
a tal cena.
Não havia bisturis e tão pouco qualquer
instrumento para cirurgias, não havia anestesias e nem complexos medicamentos.
Mas havia um canivete, muito afiado, diga-se de passagem. Fora afiado por
Pedro, pai de Renato.
Miguel arrepiou-se a sentir o frio da
lamina em contato com seu pênis. Gritava roucamente enquanto sangue sujava as
luvas, o chão, as pernas, a virilha. Seus amigos tentavam desesperadamente
gritar, imploravam a Deus que fizesse alguma coisa. Rafaela tentava limpar o
que era possível e depois de mutilado, fez com panos brancos e aparentemente
limpos, compressas sobre o ferimento.
Miguel estava acordado ainda, pálido.
Deixou ser vencido – situação que não era muito diferente desde o tempo todo em
que estivera naquele lugar – Encostou suas costas no chão, olhou para o teto de
telha. Estava ofegante, quando viu aquele ser, que para umas de suas amigas era
maligno, aproximar-se de sua cabeça. Renato tinha uma agulha em mão, e sem
cerimônia, puxou os cabelos de Miguel e furou seus olhos.
Todos ficaram indignados e horrorizados
com tal comportamento. Questionavam-se como seria possível uma pessoa ser capaz
de tamanha desumanidade. Rafaela apenas observou e, por alguns instantes, teve
medo do amigo, mas também teve orgulho, e nem sabia explicar o porquê.
Miguel foi desacordado com o mesmo líquido
usado anteriormente. Rafaela e Digão levaram aquele corpo ensangüentado e
pareciam ter pressa.
_ Deixe-o próximo ao hospital, mas vejam
se não tem câmeras de monitoramento. Depois liguem para o hospital e façam uma
denuncia anônima de que viram um rapaz inconsciente bem próximo e precisa de
ajuda. – Orientou Renato.
Em menos de uma hora, Rafaela e Digão
estavam de volta e muitas coisas se passaram, e todos os cincos sofreram
violências. O rapaz de vinte e quatro teve sua garganta profundamente cortada e
ficou ali, no chão, já morto de olhos abertos. Uma das moças, depois de
obrigada a lamber a vagina da amiga, teve sua língua e dedos decepados e seus
olhos furados, e logo em seguida fora abandonada nas proximidades escuras de uma
rodovia. Dessa forma, Daniel teria a certeza de que ela não falaria nada, não
escreveria nada e não reconheceria ninguém nesse mundo pequeno.
O rapaz de dezesseis anos fora puxado
pelos cabelos e a chutes para fora do casebre. Havia uma fogueira e parecia
estarem cozinhando qualquer coisa. Tinha fome e veio a sua mente a imagem de
sua mãe na cozinha, daria tudo para poder vê-la novamente e não mais sair de
seu lado.
Levaram-no próximo a algumas árvores,
havia um barranco íngreme e as grandes sombras, mesmo à noite, dificultavam a
visão. Havia um buraco, um tanto fundo e a seu lado um caixote. Tiraram sua
amordaça e o colocaram dentro daquele retângulo de madeira. Gritava muito na
esperança de alguém ouvi-lo.
_ Não! Não! Por favor não! Eu não queria
bater em vocês, eu na verdade não tenho nada contra os gays.
_ Eu não tenho nada contra os heteros. –
respondeu secamente Digão.
Renato, momentos antes, havia forrado o
fundo do caixote com um plástico preto e ajudando o amigo, colocou Caio dentro
dele. Fecharam com uma tampa de madeira e martelavam todos os cantos. Gritos
vinham lá de dentro.
_ Por favor! Eu sou gay! Eu também sou
gay!
Ao escutarem tal afirmação, Renato e Digão
olharam-se e depois olharam em sincronia para Daniel e Rafaela. Hesitaram por
alguns instantes, mas continuaram. Jogaram o caixote no buraco e o fizeram sem
delicadezas. Cobriu tudo com terra e camuflaram o terreno com folhas de
bananeiras e outras plantas e galhos que estavam pelo chão. Renato tinha a tese
de que Caio morreria sem oxigênio ou por afogamento, por isso colocou o
plástico, sabia que aquela era uma região onde chovia muito. Não era possível
ouvir os gritos daquele pobre adolescente, o que não significava que não
estaria gritando naquele momento. (Uma dúvida paira nos meus pensamentos, será
que aquele rapaz estava falando a verdade? Ou disse apenas como estratégia de
fuga? Enfim, não saberemos nunca.)
Estavam cansados e pareciam não estar mais
dispostos a continuar, entretanto, havia ainda duas testemunhas. A panela que
estava no fogo do lado de fora do casebre, aquecia gordura. O primeiro plano de
Renato e de seus amigos era de queimar suas vítimas começando de baixo para
cima e até tinham colocado duas cordas em um grande galho de árvore para
pendurá-los de ponta-cabeça.
Felizmente o plano foi deixado de lado,
queriam acabar logo com tudo aquilo. Estavam todos dentro do casebre, com
exceção de Digão que sempre se mantinha como sentinela. Cercavam Camila e
Kaique.
_ O que vamos fazer com eles? – perguntou
Daniel.
_ Não sei, e se fizéssemos o mesmo que
fizemos com a outra garota e, com ele, também cortássemos seu pau? – Rafaela
sugeriu em tom de interrogação.
_ Não, acho melhor não, vai dar muito
trabalho, sem falar no sangue todo. E nesse exato momento a polícia deve estar
de cautela para ver se encontra qualquer coisa suspeita. O carinha que vocês
levaram para o hospital, pode estar acordado agora, não cortamos sua língua e
ele pode muito bem falar o que aconteceu. Ele só não sabe onde estamos.
_ Vamos soltar eles?
_ Não sei. – Renato parecia cansado e com
preguiça.
_ Mas se soltarmos ele vão correndo para a
polícia.
_ Não precisamos no preocupar com isso.
Não podemos ser presos, amanha é eleição. Só se formos pegos em flagrante. Negamos
tudo e mesmo se confessarmos, ainda não podem nos prender, só se arrumarem outros
crimes cometidos antes dos dois dias que antecedem as eleições. – Renato
informou enquanto sentava na cadeira de plástico.
_ Precisamos ser rápidos. – Advertiu
Daniel.
Renato olhou para os dois sobreviventes e
com um tom de voz suave e pausadamente disse:
_ Vocês pediram para eu ser homem, de fato
não pedem, ordenam de forma agressiva como se os gays não fossem capazes de
serem homens da forma que vocês acreditam que devam ser. Pois bem, creio agora
que vocês estão certos de que eu sou homem. E devem estar certos também que as
diferenças existem e sempre existiram. O fato é que hoje se tem mais
conhecimento e muitos não se escondem mais atrás de casamentos de fachada,
apesar disso ainda ser muito freqüente. Vejam bem, eu ainda não sei qual o
complexo de vocês dois e também fiquei sem saber o da sua amiga e esse seu
amigo. – Apontou para o corpo que estava ao lado dos dois. – Aquele seu amigo,
o que eu levei daqui, agora pouco, disse pra gente que ele era gay. Ele era gay?
Os dois balançaram negativamente a cabeça
e franziram a testa. Renato continuou:
_ O mais machão, nem preciso falar qual o
complexo dele, se bem que ele deve ter vários.
Naquele momento, Renato percebeu que
perdeu o motivo para toda aquela ação, perdeu a finalidade e nem sabia mais
para quê. Levantou com o canivete em mão e calmamente cortou a garganta de
ambos.
Recolheram seus instrumentos, jogaram o
óleo quente, limparam as coisas que poderiam ter suas digitais. Queimaram as
luvas, peças de roupas, tênis, o consolo e outros pertences, esperaram queimar
até o fim para certificarem-se que não sobrariam indícios.
Caminharam, Renato, Daniel, Rafaela e
Digão, passaram próximos a um lago onde jogaram as armas brancas. Telefonaram
para Seu Pedro e, escondidos, o esperaram próximos à rodovia. Foram deixados
cada um em suas casas.
Na mesma noite, circulava na mídia um
atropelamento de uma moça que tivera seus olhos furados e tentava pedir ajuda
quando teve seu tronco esmagado por um caminhão. No dia seguinte, a mídia e a
sociedade tiveram breve conhecimento dos fatos. Era dia de eleição e as pessoas
não deram muito crédito à história. À noite, só se via nos canais a contagem de
votos.
Quatro dias depois da manifestação cidadã,
policiais encontraram no casebre os três corpos e procuravam por um adolescente
de dezesseis anos. Contava-se agora, a história. E a identidade do único
sobrevivente mantinha-se guardada. Repórteres vasculhavam por informações
feitos cães de rua à procura de comida na lixeira e, aos poucos, davam notícias
esclarecedoras. A polícia ainda não tinha pistas concretas dos criminosos, mas
sabia apenas algumas características.
Gustavo falecera e tal notícia foi dada
pela mídia que relacionou o caso ao agressor que, agora, também se tornara
vítima. Opiniões dividiam-se a respeito do caso que era visto pela polícia como
algo pitoresco. No entanto, não foi informado o nome de Miguel e nem que ele
precisaria fazer algumas reconstituições. Sabemos que nada será como antes para
ele. Até o momento, não encontraram Caio.
Enquanto isso, a sociedade continuava. A
ela eram apresentadas novas histórias que, dia após dia, seriam aos poucos
esquecidas pelos coadjuvantes.
Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 13/12/2010
Código do texto: T2669467
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2 comentários:
incrivel este! Como seria bom se alguns casos fosse mesmo verdade. Se bem que tem tudo haver com a realidade.
nossa que demais! Tudo haver com a vida real.
muito bom mesmo
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