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AUSÊNCIA PRESENTE
O vapor da água quente que caía do chuveiro embaçou todos os vidros. Era
por volta das cinco e pouco da tarde. O sol já abria seus braços dourados
próximo ao horizonte enquanto a lua pálida e quase transparente já se
posicionava no horizonte oposto. Uma típica tarde gelada de outono. Passou a
mão no espelho porque o embaçado incomodava-o, mesmo ele sabendo que nem depois
de passada a mão ou a toalha, ainda não conseguiria olhar-se nitidamente. Parou
por um instante, de toalha branca nas mãos, gotas mornas escorriam pelo corpo
magro e branco e seus curtos cabelos pretos escorriam até a testa. Secou o
rosto. Parou novamente, como que se cada movimento seu fizesse barulho: queria
ouvir atentamente, já que teve a impressão de ouvir sua mãe chamá-lo. Pensou
que talvez fosse ela advertindo para que desligasse o chuveiro, já que ele
tinha o costume de se demorar no banho, ou talvez ainda, para que ele enxugasse
o banheiro – ter que torcer o pano frio depois de um banho quente dava muita
preguiça, ainda mais em tardes frias.
Esperou por alguns segundos e não ouvir seu nome.
Começou então a se enxugar. Colocou a tolha na cabeça e tentou secar, o máximo,
o cabelo, depois passou a tolha nos braços, peito e barriga. Agachou-se e secou
parcialmente suas pernas. Passou a toalha para trás e esfregou as costas em um
movimento de vai e vem – para esquerda depois para a direita. Colocou uma
camiseta branca e após isso, passou a toalha na virilha – sempre teve o costume
de secar bem a região porque lembrava-se do que o pai havia tido sobre micoses
e coceiras devido a umidade na região. Aproveitou o momento para verificar e
admirar os possíveis novos e os já crescidos pêlos. Colocou uma cueca azul bebê
e, logo em seguida, uma bermuda preta com detalhes brancos.
Após entrar em seu quarto cujas paredes eram brancas
e algumas emboloradas próximo ao teto, sentou em sua cama onde estavam uma
calça jeans, uma camiseta preta com detalhes brilhosos, uma blusa vermelha de
marca cara e um boné preto com tiras verdes – roupas que usaria mais tarde na
festa de aniversário de um de seus amigos. Tudo estendido como se as roupas
estivessem sendo usadas naquele momento por alguém deitado no coxão. Secou os
pés e o chinelo com a toalha. Foi até o espelho ao lado esquerdo do quarto,
próximo ao guarda-roupa carvalho santorini, e penteou os cabelos, passou
desodorante e se perfumou.
Foi quando escutou sua mãe chamá-lo pelo nome.
Percebeu pelo tom de voz, que ela já estava um pouco irritada. Talvez, por
chamá-lo várias vezes. Pegou a toalha molhada sobre a cama e saiu pelo
corredor, no andar de cima da casa. Desceu as escadas quase correndo, não
porque tinha pressa, mas porque quase sempre o fazia daquele modo.
Quando chegou à cozinha, sua mãe estava em frente ao
fogão de seis bocas, com uma grande panela na boca de trás: estava fazendo doce
de abóbora. Sobre a mesa, no centro da cozinha, estava o bule de café e o
coador de pano suspenso na boca de uma caneca onde fora fervida a água. Sua mãe
apenas olhou para trás, segurando uma colher de pau, quando viu o filho entrar
na cozinha segurando a toalha.
_ Ah, você estava tomando banho. Por isso não escutou
eu te chamar.
_ A senhora precisa de alguma coisa?
_ Pega dois reais na minha bolsinha, dentro da
gaveta, e vai comprar pão.
_ Quantos?
_ Pega só seis pãezinhos de sal. Se você vir que o
pão é velho, pega o de leite, mas só se for de hoje viu?
_ Sim senhora.
Após pendurar sua toalha no varal, que ficava na
parte coberta dos fundos da casa, ele trocou de chinelo e saiu. Parecia não
querer muito ir à padaria, mas sabia que arrumaria problemas se negasse ao
pedido da mãe.
Desceu a rua onde havia alguns carros estacionados e
quando chegou ao final dela, que dava para a avenida principal de seu bairro,
virou à direita, na esquina onde havia um muro conservado de uma igreja.
Caminhou até a próxima esquina, onde a padaria ficava de frente para. Adentrou
no estabelecimento e aquele cheiro quente, um tanto adocicado entrou em suas
narinas. Gostava daquele cheiro.
Na padaria, estava uma senhora, muito chegada de sua
mãe, que o cumprimentou com um sorriso e perguntou pela figura materna e após
ter a resposta dele, de que ela estava em casa fazendo doce de abóbora, disse
que passaria lá mais tarde.
Ele pediu o pão francês e saiu da padaria carregando
um médio saco de papel marrom escuro. Voltava pelo mesmo caminho por onde veio.
Antes de chegar à esquina na qual viraria à esquerda e subiria a rua de casa,
encontrou uma amiga de escola. Pararam e conversaram cerca de cinco minutos.
Despediram-se com sorrisos e piadas que só eles entenderiam. Ele seguiu até a
esquina, virou e subiu.
***
Vinte minutos depois, ele ainda não havia chegado em
casa e sua mãe já dera falta dele. Ela estava com a filha mais velha e com ela
brincou sobre o atraso do filho dizendo que ele fora fazer o pão e depois
comprá-lo. Após ter terminado de cozer o doce, pediu à filha para que o
experimentasse e dissesse se haveria necessidade de mais açúcar.
Trinta minutos depois e ele ainda não chegou. Ela,
aquela senhora com a testa um pouco borbulhada de suor devido ao calor das
panelas grandes sobre o fogão, olhou angustiada para o relógio retangular com
uma imagem da bíblia por dentro de um vidro, e seu peito encheu-se mais de
vazio e frio. Retirou seu avental branco com manjas amareladas deixadas pela
abóbora e foi até o portão de sua casa. Olhou em sentido à avenida, lá em
baixo, na esperança de ver seu filho subir a rua. Ele não vinha. No céu,
restavam poucos vestígios rosa alaranjados deixados pelo sol. Voltou para
dentro de casa e após virar o botão, sobre a beira do fogão, apagando o fogo,
foi até o quarto do filho.
Passou pelo banheiro e notou que estava molhado.
Disse, em voz alta, que ele nem teve coragem de passar o pano no chão. Sua
filha estava no quarto dela, de porta aberta, parecia procurar alguma roupa
dentro de uma gaveta da cômoda branca.
No quarto do filho, encontrou sua roupa de sair sobre
a cama, a mochila da escola no chão e algumas apostilas coloridas espalhadas
sobre ela e sobre as apostilas, um estojo branco. Ela (a mãe dele) estava à
procura do celular do filho e jurou que chamaria sua atenção, quando ele chegasse,
por não ter levado o aparelho com ele e já sabia também qual seria a resposta
do filho, já que ela mesma o proibiu de ficar com o celular todo o tempo,
devido reclamações de seus professores da escola.
Mais cinco minutos se passaram, e a cada minuto que
completava seu clico, a angústia aumentava dando lugar à agonia. Passou a mão
pelos cabelos, talvez quisesse arrumar alguns fios que estivessem fora de seus
lugares, e foi até a padaria em busca de seu filho. Provavelmente o padeiro
teve problema com a fornalha ou com a massa do pão. Era nítido que ela estava à
beira do desespero e qualquer um seria capaz de perceber, pelo seu semblante,
que ela estava em busca de alguém. A padaria estava vazia, estavam apenas as
duas atendentes por detrás do balcão próximas aos bolos e aos pães e um rapaz
que retirava de cima do outro balcão – no bar – duas garrafas de cervejas
vazias, três copos sujos e colocava estes dentro da cuba de pequena pia de
alumínio.
Uma das atendentes conhecia a família e era amiga da
filha mais velha daquela senhora, que ali em pé, desesperada, foi informada da
presença do filho momentos antes naquele estabelecimento.
_ Ele comprou pão francês e saiu. – Contou a
atendente.
_ Ele estava com alguém?
_ Não. Ele estava sozinho, inclusive, a Fátima também
o cumprimentou e disse que passaria na sua casa depois. Mas ela ficou aqui
ainda por uns cinco minutos.
_ E você sabe dizer para que lado ele foi? –
Perguntou a mãe desesperada.
_ Ele saiu e seguiu reto. Mas fica calma, ele deve
estar na casa de alguém, algum amigo da escola.
A esperança agora estendia seus braços solúveis em
direção à casa da vizinha Fátima e foi para lá que a mãe foi. Seu coração
estava apertado e batia cada vez mais.
Bateu palmas para chamar alguém e, ao mesmo tempo,
gritou pelo nome da vizinha. Ela veio apressada após perceber a voz eufórica
daquela senhora sem rumo que nem esperou o portão ser aberto para perguntar
pelo filho. Fátima disse que o viu na padaria e que logo em seguida ele deixou
e estabelecimento e seguiu em direção à igreja.
Já estava escurecendo e as lágrimas começavam a
escorrer pela sua face. De volta em casa, aquela senhora encontrou o marido
inquieto querendo saber o que realmente aconteceu. Ela não era capaz de dizer
exatamente o que houve, apenas afirmava, em meio às lagrimas, que o filho
sumiu.
Foi então que a filha mais velha começou a ligar para
alguns amigos do irmão, mas ninguém o tinha visto.
O marido foi tomar banho e a confusão apossou-se
daquela casa. Uma verdadeira confusão de idéias e sentimentos começou a
deslocar todas as coisas de seus lugares colocando-os de ponta cabeça no teto
ou na rua, onde a esperança acompanhada de um pouco de imaginação, tentava
percorrer todas as direções possíveis em procura dele.
Enquanto o marido tomava banho para talvez pensar
melhor, aquela senhora colocou uma das cadeiras da cozinha no quintal e sentou.
Esfregava, com a mão direita, o peito como se estivesse sentindo dor. Chorava
agora, mas um choro que parecia não querer sair. Sua filha observa aflita e sem
saber o que fazer enquanto sua mãe perguntava para onde aquele menino teria
ido, com quem e por qual motivo. Perguntava à filha por onde começariam a
procurá-lo. Minutos depois, ela colocou a cadeira próxima ao portão e de tempo
em tempo, ela saia na calçada com a esperança de vê-lo subindo a rua.
Desespero, choro, angústia, medo, dúvida e esperança.
Tudo misturado dentro do caos. Naquela noite, ninguém chegou a jantar e nem a
dormir. No dia seguinte, foram à delegacia e após breves investigações,
chegaram à amiga que havia falado com ele momentos antes dele virar a esquina e
desaparecer, e mais uma vez, nada de fato foi descoberto.
Ninguém viu nada de estranho naquele dia, e ninguém
viu se ele foi colocado ou se entrou de vontade própria em algum veículo.
A comida não tem mais gosto, as noites parecem
intermináveis e a saudade é banhada pela dúvida de tudo. Todos se questionam
como é capaz alguém desaparecer sem dar nenhuma pista, sem deixar qualquer
vestígio, como se uma fenda fosse aberta sob os pés e engolisse a pessoa.
Exatamente hoje, faz três anos que Jefferssonn da
Silva Oliveira* desapareceu. Hoje, teria treze anos. Vestia uma camiseta branca
e bermuda preta com detalhes brancos. Desapareceu depois de ir à padaria
próxima de casa. [imagem] Quem o vir ou
tiver qualquer notícia que seja, por favor, ligue para [número
telefônico] ou disque para a polícia.
*nome fictício.
SOUZA, Samir S. O mundo do meio (ou de olhos fechado): contos / Samir S. Souza. - pag. 118 - São Paulo 2012.
3 comentários:
Fala criança, faz tempo que não leio uma estória tua... Como estão as vendas de livros? Muito sucesso e até mais!
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Uma história verdadeira ou não mas muito real. Temos cá um caso assim.
O Rui Pedro desapareceu sem deixar rasto há 15 anos.
Um abraço e uma boa semana
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