15 janeiro 2013

Ausência Presente



 imagem google

AUSÊNCIA PRESENTE


O vapor da água quente que caía do chuveiro embaçou todos os vidros. Era por volta das cinco e pouco da tarde. O sol já abria seus braços dourados próximo ao horizonte enquanto a lua pálida e quase transparente já se posicionava no horizonte oposto. Uma típica tarde gelada de outono. Passou a mão no espelho porque o embaçado incomodava-o, mesmo ele sabendo que nem depois de passada a mão ou a toalha, ainda não conseguiria olhar-se nitidamente. Parou por um instante, de toalha branca nas mãos, gotas mornas escorriam pelo corpo magro e branco e seus curtos cabelos pretos escorriam até a testa. Secou o rosto. Parou novamente, como que se cada movimento seu fizesse barulho: queria ouvir atentamente, já que teve a impressão de ouvir sua mãe chamá-lo. Pensou que talvez fosse ela advertindo para que desligasse o chuveiro, já que ele tinha o costume de se demorar no banho, ou talvez ainda, para que ele enxugasse o banheiro – ter que torcer o pano frio depois de um banho quente dava muita preguiça, ainda mais em tardes frias.
Esperou por alguns segundos e não ouvir seu nome. Começou então a se enxugar. Colocou a tolha na cabeça e tentou secar, o máximo, o cabelo, depois passou a tolha nos braços, peito e barriga. Agachou-se e secou parcialmente suas pernas. Passou a toalha para trás e esfregou as costas em um movimento de vai e vem – para esquerda depois para a direita. Colocou uma camiseta branca e após isso, passou a toalha na virilha – sempre teve o costume de secar bem a região porque lembrava-se do que o pai havia tido sobre micoses e coceiras devido a umidade na região. Aproveitou o momento para verificar e admirar os possíveis novos e os já crescidos pêlos. Colocou uma cueca azul bebê e, logo em seguida, uma bermuda preta com detalhes brancos.
Após entrar em seu quarto cujas paredes eram brancas e algumas emboloradas próximo ao teto, sentou em sua cama onde estavam uma calça jeans, uma camiseta preta com detalhes brilhosos, uma blusa vermelha de marca cara e um boné preto com tiras verdes – roupas que usaria mais tarde na festa de aniversário de um de seus amigos. Tudo estendido como se as roupas estivessem sendo usadas naquele momento por alguém deitado no coxão. Secou os pés e o chinelo com a toalha. Foi até o espelho ao lado esquerdo do quarto, próximo ao guarda-roupa carvalho santorini, e penteou os cabelos, passou desodorante e se perfumou.
Foi quando escutou sua mãe chamá-lo pelo nome. Percebeu pelo tom de voz, que ela já estava um pouco irritada. Talvez, por chamá-lo várias vezes. Pegou a toalha molhada sobre a cama e saiu pelo corredor, no andar de cima da casa. Desceu as escadas quase correndo, não porque tinha pressa, mas porque quase sempre o fazia daquele modo.
Quando chegou à cozinha, sua mãe estava em frente ao fogão de seis bocas, com uma grande panela na boca de trás: estava fazendo doce de abóbora. Sobre a mesa, no centro da cozinha, estava o bule de café e o coador de pano suspenso na boca de uma caneca onde fora fervida a água. Sua mãe apenas olhou para trás, segurando uma colher de pau, quando viu o filho entrar na cozinha segurando a toalha.
_ Ah, você estava tomando banho. Por isso não escutou eu te chamar.
_ A senhora precisa de alguma coisa?
_ Pega dois reais na minha bolsinha, dentro da gaveta, e vai comprar pão.
_ Quantos?
_ Pega só seis pãezinhos de sal. Se você vir que o pão é velho, pega o de leite, mas só se for de hoje viu?
_ Sim senhora.
Após pendurar sua toalha no varal, que ficava na parte coberta dos fundos da casa, ele trocou de chinelo e saiu. Parecia não querer muito ir à padaria, mas sabia que arrumaria problemas se negasse ao pedido da mãe.
Desceu a rua onde havia alguns carros estacionados e quando chegou ao final dela, que dava para a avenida principal de seu bairro, virou à direita, na esquina onde havia um muro conservado de uma igreja. Caminhou até a próxima esquina, onde a padaria ficava de frente para. Adentrou no estabelecimento e aquele cheiro quente, um tanto adocicado entrou em suas narinas. Gostava daquele cheiro.
Na padaria, estava uma senhora, muito chegada de sua mãe, que o cumprimentou com um sorriso e perguntou pela figura materna e após ter a resposta dele, de que ela estava em casa fazendo doce de abóbora, disse que passaria lá mais tarde.
Ele pediu o pão francês e saiu da padaria carregando um médio saco de papel marrom escuro. Voltava pelo mesmo caminho por onde veio. Antes de chegar à esquina na qual viraria à esquerda e subiria a rua de casa, encontrou uma amiga de escola. Pararam e conversaram cerca de cinco minutos. Despediram-se com sorrisos e piadas que só eles entenderiam. Ele seguiu até a esquina, virou e subiu.

***

Vinte minutos depois, ele ainda não havia chegado em casa e sua mãe já dera falta dele. Ela estava com a filha mais velha e com ela brincou sobre o atraso do filho dizendo que ele fora fazer o pão e depois comprá-lo. Após ter terminado de cozer o doce, pediu à filha para que o experimentasse e dissesse se haveria necessidade de mais açúcar.
Trinta minutos depois e ele ainda não chegou. Ela, aquela senhora com a testa um pouco borbulhada de suor devido ao calor das panelas grandes sobre o fogão, olhou angustiada para o relógio retangular com uma imagem da bíblia por dentro de um vidro, e seu peito encheu-se mais de vazio e frio. Retirou seu avental branco com manjas amareladas deixadas pela abóbora e foi até o portão de sua casa. Olhou em sentido à avenida, lá em baixo, na esperança de ver seu filho subir a rua. Ele não vinha. No céu, restavam poucos vestígios rosa alaranjados deixados pelo sol. Voltou para dentro de casa e após virar o botão, sobre a beira do fogão, apagando o fogo, foi até o quarto do filho.
Passou pelo banheiro e notou que estava molhado. Disse, em voz alta, que ele nem teve coragem de passar o pano no chão. Sua filha estava no quarto dela, de porta aberta, parecia procurar alguma roupa dentro de uma gaveta da cômoda branca.
No quarto do filho, encontrou sua roupa de sair sobre a cama, a mochila da escola no chão e algumas apostilas coloridas espalhadas sobre ela e sobre as apostilas, um estojo branco. Ela (a mãe dele) estava à procura do celular do filho e jurou que chamaria sua atenção, quando ele chegasse, por não ter levado o aparelho com ele e já sabia também qual seria a resposta do filho, já que ela mesma o proibiu de ficar com o celular todo o tempo, devido reclamações de seus professores da escola.
Mais cinco minutos se passaram, e a cada minuto que completava seu clico, a angústia aumentava dando lugar à agonia. Passou a mão pelos cabelos, talvez quisesse arrumar alguns fios que estivessem fora de seus lugares, e foi até a padaria em busca de seu filho. Provavelmente o padeiro teve problema com a fornalha ou com a massa do pão. Era nítido que ela estava à beira do desespero e qualquer um seria capaz de perceber, pelo seu semblante, que ela estava em busca de alguém. A padaria estava vazia, estavam apenas as duas atendentes por detrás do balcão próximas aos bolos e aos pães e um rapaz que retirava de cima do outro balcão – no bar – duas garrafas de cervejas vazias, três copos sujos e colocava estes dentro da cuba de pequena pia de alumínio.
Uma das atendentes conhecia a família e era amiga da filha mais velha daquela senhora, que ali em pé, desesperada, foi informada da presença do filho momentos antes naquele estabelecimento.
_ Ele comprou pão francês e saiu. – Contou a atendente.
_ Ele estava com alguém?
_ Não. Ele estava sozinho, inclusive, a Fátima também o cumprimentou e disse que passaria na sua casa depois. Mas ela ficou aqui ainda por uns cinco minutos.
_ E você sabe dizer para que lado ele foi? – Perguntou a mãe desesperada.
_ Ele saiu e seguiu reto. Mas fica calma, ele deve estar na casa de alguém, algum amigo da escola.
A esperança agora estendia seus braços solúveis em direção à casa da vizinha Fátima e foi para lá que a mãe foi. Seu coração estava apertado e batia cada vez mais.
Bateu palmas para chamar alguém e, ao mesmo tempo, gritou pelo nome da vizinha. Ela veio apressada após perceber a voz eufórica daquela senhora sem rumo que nem esperou o portão ser aberto para perguntar pelo filho. Fátima disse que o viu na padaria e que logo em seguida ele deixou e estabelecimento e seguiu em direção à igreja.
Já estava escurecendo e as lágrimas começavam a escorrer pela sua face. De volta em casa, aquela senhora encontrou o marido inquieto querendo saber o que realmente aconteceu. Ela não era capaz de dizer exatamente o que houve, apenas afirmava, em meio às lagrimas, que o filho sumiu.
Foi então que a filha mais velha começou a ligar para alguns amigos do irmão, mas ninguém o tinha visto.
O marido foi tomar banho e a confusão apossou-se daquela casa. Uma verdadeira confusão de idéias e sentimentos começou a deslocar todas as coisas de seus lugares colocando-os de ponta cabeça no teto ou na rua, onde a esperança acompanhada de um pouco de imaginação, tentava percorrer todas as direções possíveis em procura dele.
Enquanto o marido tomava banho para talvez pensar melhor, aquela senhora colocou uma das cadeiras da cozinha no quintal e sentou. Esfregava, com a mão direita, o peito como se estivesse sentindo dor. Chorava agora, mas um choro que parecia não querer sair. Sua filha observa aflita e sem saber o que fazer enquanto sua mãe perguntava para onde aquele menino teria ido, com quem e por qual motivo. Perguntava à filha por onde começariam a procurá-lo. Minutos depois, ela colocou a cadeira próxima ao portão e de tempo em tempo, ela saia na calçada com a esperança de vê-lo subindo a rua.
Desespero, choro, angústia, medo, dúvida e esperança. Tudo misturado dentro do caos. Naquela noite, ninguém chegou a jantar e nem a dormir. No dia seguinte, foram à delegacia e após breves investigações, chegaram à amiga que havia falado com ele momentos antes dele virar a esquina e desaparecer, e mais uma vez, nada de fato foi descoberto.
Ninguém viu nada de estranho naquele dia, e ninguém viu se ele foi colocado ou se entrou de vontade própria em algum veículo.
A comida não tem mais gosto, as noites parecem intermináveis e a saudade é banhada pela dúvida de tudo. Todos se questionam como é capaz alguém desaparecer sem dar nenhuma pista, sem deixar qualquer vestígio, como se uma fenda fosse aberta sob os pés e engolisse a pessoa.
Exatamente hoje, faz três anos que Jefferssonn da Silva Oliveira* desapareceu. Hoje, teria treze anos. Vestia uma camiseta branca e bermuda preta com detalhes brancos. Desapareceu depois de ir à padaria próxima de casa. [imagem] Quem o vir ou tiver qualquer notícia que seja, por favor, ligue para [número telefônico] ou disque para a polícia.

*nome fictício.

SOUZA, Samir S. O mundo do meio (ou de olhos fechado): contos / Samir S. Souza. - pag. 118 - São Paulo 2012.

3 comentários:

Francisco Farias Jr disse...

Fala criança, faz tempo que não leio uma estória tua... Como estão as vendas de livros? Muito sucesso e até mais!

Anônimo disse...

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Elvira Carvalho disse...

Uma história verdadeira ou não mas muito real. Temos cá um caso assim.
O Rui Pedro desapareceu sem deixar rasto há 15 anos.
Um abraço e uma boa semana