A VIAGEM
Verde. Carros vão e vem em alta
velocidade. No chão, grandes retângulos brancos indicam o lugar certo e, ao lado,
grandes quadrados contornados de laranja anunciam zona de conflito. Todas as
cores desbotadas pelo atrito dos pneus com o solo e pelo tempo. A grande sombra
do antigo Hospital e Maternidade debruça sobre a Marques Figueira enquanto o
sol, radiante e amarelo ouro, parece esparramar-se no horizonte. Carros vão e
vem. Caminhões fazem pequenos tremores. Ônibus freiam bruscamente devido à imprudência
dos transportes alternativos.
Verde. Carros vão e vem. Amarelo.
Todos em atenção.
Vermelho.
Verde. Veículos viram para
esquerda e direita saindo da Felício de Camargo. Sob o toldo da antiga entrada
do hospital, espera um homem e uma mulher; ele com capas de volante e ela com
balas e chocolates. Ambos vendem seus produtos no momento em que o semáforo
está vermelho para os carros.
Dentro da sombra feita pelo
prédio, nas calçadas, esperam ele, lá, e ela, cá, pelo momento em que verde
pedestre libera passagem para que eles se encontrem. Ela, de vestido bonito e
rosado, maquiagem clara e leve, cabelos presos e brincos discretos. Bonita e
delicada. Ele, de calça jeans azul claro, camiseta branca com listras claras no
tom cinza muito discretas. Bonito.
Ela trazia uma pequena bolsa de
mão e um sorriso no rosto. Seus olhos não deixavam de mirar ele que trazia uma
sacola de plástico branco e por onde se podia ver um embrulho de presente. Ela
o esperava e ele ia sua direção. Olhos de ambos pareciam imãs e seus
pensamentos deveriam ser o mesmo: que beleza! É tudo meu! Não vejo a hora de
viajar, de conhecer a Chapada Diamantina com você! De viajar de ônibus ao seu
lado e fazer as paradas para tomar um caldo de cana, comer uma pamonha e tirar
algumas fotos. Cochilar no seu ombro até que cheguemos ao Vale do Capão onde
sentiremos calor e estranharemos o clima e as casas simples de povo humilde.
Será que poderemos sair à noite para tomar alguma coisa e ver o céu estrelado?
Será que vai ter Lua? Será que nos desentenderemos enquanto estivermos lá? Quero
levá-la na Cachoeira da Fumaça. Quero mostrá-lo a Sempre Viva. Vamos ter ótimos
momentos juntos. Acho que lembrarei sempre desses dias.
Sinal amarelo. Um palio cinza
virou a esquerda e se foi. Vermelho. Todos os carros estão parados. A figura do
homem verde acendeu. Tudo parecia estar em completo silêncio. _ Que lábios
bonitos ele tem. Ela pensou.
Um som agudo e estridente. Agudo
e grave ao mesmo tempo. Grossamente encheu o espaço e quebrou o silêncio
cristal. Ele já estava sobre a faixa quando um arrepio floresceu de sua espinha
dorsal. Ela gritou e o enorme caminhão atingiu-o em cheio arrastando seu corpo
por metros.
Tudo, por alguns segundos,
pareceu voltar ao silêncio. Parecia não haver qualquer buzina, qualquer som
humano ou ronco de motor. Por alguns segundos, a figura verde sinalizando
passagem ao pedestre ficou acesa eternamente e o som do atrito da carne contra
o asfalto, por alguns segundos, ficou imperceptível. Ela, em pé, de mãos
vazias, de peito cheio, de olhos afogados, de cabelos ao vento que pareciam
desesperar-se. Não sabia exatamente o que fazer. Correr até ele? Gritar? Quem
irá me ajudar? Mãe? Mãe cadê você? Mãe!!! O que eu vou falar? Por que eu não
marquei o encontro na praça? É tudo culpa minha! Eu sou uma burra mesmo! Mãe?
Mãe? Mãe! Pai!
As lágrimas que afogavam sua
visão começaram a escorrer pela sua face quando sirenes, gradativamente,
começaram a surgir e ela parecia, ali, parada, em choque, querer fazer algo,
mas seus músculos a abandonaram sozinha com a dor.
Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 26/02/2013
Código do texto: T4161440
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