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ATENTADOS AO PUDOR
Qualquer semelhança com fatos
reais é mera coincidência.
Palio 6
O carro chegou e parou aproximadamente há vinte
minutos. Ninguém desceu e nem os vidros foram abertos. Estacionou como quase
todo motorista estaciona, próximo à calçada cerca de um palmo entre as rodas e
a quina pintada recentemente de branco.
Ao lado, ficava
um terreno baldio cujos capins já ultrapassam o muro chapiscado sem pintura.
Havia apenas a luz alaranjada do poste cerca de quatro metros de distância.
Qualquer um
pensaria que quem estivesse dirigindo o carro teria passado mal e parou para
pedir ajuda, mas teria sido tarde demais. Era, no entanto, já cerca de meia
noite e pouca, quase uma hora da manhã, e esse horário são poucas as pessoas
que circulam na rua ou que ficam penduradas nas janelas observando carros que
param e que ninguém desce.
Seria talvez
um carro guiado por um fantasma? Nada é impossível neste mundo.
O misterioso
carro que apenas parara sem que ninguém saísse ou colocasse a cabeça para fora
de uma das janelas é um palio preto com os vidros com filme. Mesmo se quisesse
não seria possível ver quem estaria lá dentro.
Provavelmente,
muitos não gostariam de saber quem ou o que estaria no interior do carro. E se
fosse alguma assombração? E fosse alguém esperando algum curioso chegar perto
para sequestrar? E se fosse algum malfeitor contratado para matar alguém da vizinhança?
Tantas podem
ser as possibilidades.
Mas, desde
que o mundo é mundo, há todos os tipos de pessoas que existem hoje, e as
curiosas estão sempre presentes em quase todas as histórias. E claro que havia
uma senhora que se coçava e, ao mesmo tempo, arrepiava-se com o curioso
mistério do palio preto.
Às vezes,
infelizmente, é um equivoco acreditar que estamos fazendo algo e que ninguém
está vendo. Por incrível que pareça, sempre há alguém que, naquele exato
momento, poderia fazer algo mais interessante do que olhar a insignificância do
ato que estamos praticando.
Intrigada e
provavelmente preocupada com aquela situação, a senhora ligou para a policia
que não demorou muito para chegar ao local e averiguar os fatos. Uma viatura,
que passava ali por perto foi avisada pelo rádio e em questão de minutos estava
no local.
Parou a
viatura alguns metros atrás do palio preto. Desceram quatro policias entre eles
uma policial. Já estavam com suas armas apontadas em direção ao veículo.
Chegaram perto e um dos policiais tentou para abrir a porta de trás de carro e
como não conseguiu, gritou para que saíssem. O pedido não foi atendido de
imediato e a ameaça de um disparo ecoou na rua vazia, banhada apenas pela noite
escura e pela luz dos postes.
A porta abriu-se.
Os policias estavam com armas apontadas. Viram quem estava lá dentro e não
acreditaram.
_ Ah, não
acredito nisso! Não tem motel não? - Questionou irritado um dos oficiais.
Quem estava
dentro do veículo, falou qualquer coisa que foi engolida pela vergonha.
_ Coloca a
roupa e sai do carro! - Advertiu um dos policiais.
Estavam no
banco de trás, onde havia um grande pedaço de papelão que servia de proteção
para não sujar o banco. Desceu uma travesti. Usava um shortinho jeans
desbotado, um camiseta branca de alcinha e seus cabelos que, soltos iam até o
ombro, foram amarrados de qualquer jeito para trás.
_ Eu não
estou fazendo nada errado. Apenas meu trabalho.
_ Sim
querida, eu entendo você, mas pra isso tem motel. Na rua é crime. Atentado ao
pudor. - Respondeu a policial que demonstrava grande paciência.
_ Sim, mas
foi ele quem me trouxe aqui. Eu apenas estou atrás do meu dinheiro.
_ Ta bom! Se
afasta do carro e encosta no muro com as mãos pro alto. - Falou meio furioso um
dos policiais.
A policial
então falou em direção a quem ainda estava dentro do carro e que colocava a
calça:
_ Você
também! Saia do carro por gentileza.
Ele colocou
as pernas para fora e ainda ficou sentado colocando o tênis cinza. Foi neste
momento, em que ele jogou na sarjeta a camisinha que usara momentos antes.
Estava sem camisa. Era magro com poucos pelos pelo corpo, um rapaz bonito. Foi
quando, ao perceber em seu dedo, a policial questionou-o:
_ Você é
casado?
_ Sou sim
senhora. Mas ela não sabe. Pelo amor de Deus, ela não pode saber.
Ao ouvir o sim,
a policial olhou para sua direita e fez uma expressão de indignação.
Após mais
alguns questionamentos, os dois foram conduzidos à delegacia, já que foram
pegos em flagrante cometendo ato libidinoso em público. A travesti,
por sua vez, ficou nervosa, enquanto ele tentava esconder-se por detrás de sua
vergonha. Deram os esclarecimentos ao delegado e foram liberados após fiança e
uma advertência por escrito, além de terem que responder ao processo.
Ela voltou, a
pé, para o seu ponto e pensava consigo que ainda não iria parar naquele horário,
já que nem recebera o valor combinado pelo serviço com o rapaz casado. Este
voltou para casa, se a verdade foi contada ou não à esposa, não sabemos e
também, não é da nossa conta.
Siena 9
Não muito
distante da região onde ocorreram os fatos com o palio preto, um carro chegou e
parou há, aproximadamente, meia hora. Ninguém desceu e nem os vidros foram
abertos. Estacionou como quase todo motorista estaciona, próximo à calçada
cerca de um palmo entre as rodas e a quina branca desbotada.
O carro parou
em uma rua residencial. Estacionou de frente para uma casa com um grande portão
de ferro vazado pintado na cor marrom escuro. As luzes intercalavam-se entre os
postes: luz sim, luz não, luz sim e luz não. Havia outros carros estacionados e
um rapaz descia pela rua com uma mochila nas costas.
Qualquer um
pensaria que quem estivesse dirigindo o carro teria passado mal e parou para
pedir ajuda, mas teria sido tarde demais. Pensariam até ser o caso de furto e
abandonaram o carro naquele local. Era por volta das onze e meia da noite e são
poucas as pessoas que circulam na rua ou ainda ficam sentadas na frente de casa
jogando conversa fora. Em alguns bairros, nas noites quentes de verão, ainda é
possível ver, às vezes, jovens jogando bola na rua, andar de bicicletas e
pessoas sentadas em grupos conversando, enquanto insetos parecem tentar entrar
nas lâmpadas dos postes. Era, no entanto, uma noite um pouco fria, havia
acabado de cair uma fina garoa e o vento dava a sensação térmica de mais frio
do que realmente estava.
Era possível
ver que alguns moradores ainda estavam acordados e assistiam à televisão, já
que uma luz azulada era vista por algumas janelas de vidro. Contudo, não havia
nenhuma pessoa pendurada em alguma janela observando carros que param e que
ninguém desce.
Seria talvez
um carro deixado para trás por fugitivos? Nas grandes cidades isso é muito
comum.
O misterioso
carro, que apenas parara sem que ninguém saísse ou colocasse a cabeça para fora
de uma das janelas, é um siena preto com os vidros com filme. Mesmo se quisesse,
não seria possível ver quem estaria lá dentro.
Provavelmente,
muitos não gostariam de saber quem ou o que estaria no interior do carro. E se
fossem policiais corruptos disfarçados? E fosse sequestro? E se fosse algum
malfeitor contratado para matar alguém da vizinhança?
Tantas podem
ser as possibilidades.
Mas, desde
que o mundo é mundo, há todos os tipos de pessoas que existem hoje, e as
medrosas estão quase sempre presentes nas histórias. Em uma sociedade corroída
pela corrupção, com leis onde o dinheiro é capaz de comprar sentenças e provas
ou até mesmo de apagá-las, as pessoas não se sentem muito seguras. O senhor,
dono da casa onde o carro havia parado de fronte, achou aquela situação
suspeita (já que hoje, qualquer atitude pode ser vista como suspeita) ligou
para a policia e torceu para que o levassem a sério e não demorassem quase duas
horas para averiguar o que estaria acontecendo. Qualquer minuto é vida ou a
subtração dela.
Às vezes,
infelizmente, é um equivoco acreditar que estamos fazendo algo e que ninguém
está vendo. Por incrível que pareça, sempre há alguém que, naquele exato
momento, poderia fazer algo mais interessante do que olhar a insignificância do
ato que estamos praticando. Insegurança? Provavelmente. Curiosidade? Também.
Cerca de dez
minutos depois a policia chegou. Vieram pela rua de cima, onde uma viatura
ficou parada como forma de bloqueio da rua, enquanto a outra parou cerca de
cinco metros de distância do carro suspeito. Desceram cinco policias. Já
estavam com suas armas apontadas em direção ao veículo. Chegaram perto e um dos
policiais bateu no vidro, da porta traseira, ordenando para quem estivesse do
lado de dentro a sair com as mãos para cima. O pedido não foi atendido de
imediato e a ameaça de um disparo fez alguns poucos curiosos, que ao perceber a
movimentação, encostaram-se nas portas de suas casas e penduraram-se pelas
janelas e outros esconderem-se dentro de suas casas.
O vidro
desceu e um rosto de uma mulher loura se fez visível. Para os oficiais, apenas
a janela abaixada não era o suficiente e logo em seguida a porta foi aberta. Os
policias mantinham-se com armas apontadas. Viram quem estava lá dentro e não
acreditaram.
_ Ah, não
acredito nisso! Pra isso existe motel! - Advertiu irritado um dos oficiais.
Não demorou
para que um homem de estatura alta, robusto, com os cabelos raspados e barba
para fazer saísse pela porta oposta da loura. Os policias pediram para que
levantasse as mãos e ele meio desesperado, apressado e com vergonha entregou
seu documento de identidade. Pedia desculpas e disse ainda que não estavam
fazendo nada de errado.
Foi
repreendido por um dos policiais que o lembrou da lei e do atentado ao pudor e
informou que teriam que ir todos à delegacia prestar esclarecimentos.
Segundos depois,
a loura também saiu do veículo. Usava um vestido preto curto que mostrava suas
curvas. Ela pediu desculpas aos policias e reconheceu que estavam errados. Ela
ainda explicou:
_ Desculpa
senhor, nós somos noivos e não sei o que deu na nossa cabeça de parar aqui para
fazer isso. Já estamos com o casamento marcado.
_ Há quanto tempo vocês estão juntos? - questionou o oficial.
_ 5 anos. Faz
5 anos que estamos juntos. Que vergonha. Nunca mais vamos fazer isso. Daqui por
diante, só motel ou na casa dele ou na minha. – Justificou a loura.
_ É assim é
melhor né: Da próxima vez não tem conversa.
O seu noivo
confirmou a história e após checarem a sua identidade no sistema e verificar os
documentos do carro, o casal foi liberado. No momento em que ele ligava o motor
do veículo, ela colocou o rosto pela metade para fora da janela, e se desculpou
mais uma vez.
O carro
desceu a rua. Preto, com suas janelas fechadas, suas lanternas laterais
traseiras vermelhas diminuíam enquanto o carro se afastava. Não precisou ser
apurado onde ficava o ponto daquela loura e nem quantos ele teria agora que
pagar pelos serviços dela.
O policial
responsável pela liberação do casal comentou com os outros policiais:
_ Não foi uma
ocorrência muito grave. O casal estava tendo relações em um lugar indevido, mas
como são noivos e não foi encontrado nada demais com eles, é melhor dar uma
advertência verbal e liberar para que possam ir para suas casas e pensem no que
fizeram. E que não se repita.
Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 01/02/2012
Código do Texto: T3475337
Publicado no Recanto das Letras em 01/02/2012
Código do Texto: T3475337
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Um comentário:
Então se for com um casal não é crime grave se for uma relação esporádica com um travesti já é? Maldita discriminação.
Um abraço e uma boa semana
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