autor desconhecido - imagem google
O MUNDO DO MEIO
O caos apossou-se da cidade e dos poucos campos que restaram. O mal e a
bondade reinam nas casas e na mente das pessoas cujas roupas sujas e rasgadas
demonstram a luta que se sucede dias após dias. Pessoas essas que correm a todo
instante por entre as ruínas: casas de Deus, casas do Satanás e todo o resto
que possa agora estar no meio do caminho dessa grande selva concretizada.
Fumaças procuram desesperadamente os céus para que
possam fugir de toda a contradição atômica exalada pelas bocas santificadas de
civis de bem e pelas bocas cujas palavras soam como insetos que jogam pela
cidade o que parece ser um forte cheiro de fezes e urina. Aquilo o que o homem
criou para ser belo e tempos depois é destruído pela vontade do homem o engole
em um paradoxo poema infernal terrestre.
Deus virou-se de costas para a Terra e o Satanás pediu-o
refugio. Juntos escutam apenas os insultos trocados pelos guerrilheiros e os
ossos trincando como simples pedaços de bambu. Talvez, na história da
humanidade não houvesse ainda batalha tão sangrenta e cruel igual a esta que
fora negligenciada e alimentada por dizeres que nunca disseram realmente nada.
Crianças demoníacas, cujas faces angelicais fazem nutrir um carinho e uma
delicada admiração, sabem usar exatamente a ignorância de seus servos em nome
daqueles quem os ofereceram o silêncio. A obscuridade passou a fazer parte dos
escritos – ninguém entende mais nada ou cada qual entende da forma que sente.
Flagelados e flageladas gritam com toda a força.
Violentados e violentadas tentam violentar os anjos. Injustiçados e
injustiçadas lutam pela justiça. Orgias de palavras ocorrem a cada esquina,
ejaculações masculinas e femininas fazem subir até as narinas um leve cheiro
azedado pelas épicas opressões bentas.
O sol, a lua e as estrelas escondem-se por detrás de
uma fina camada de nuvem cinzenta proveniente do caos e das destruições
causadas pelos guerreiros. Heróis que estupram suas imagens maternas. Vilões
que salvam os filhos da "besta". Pais que cortam a cabeça de suas
crias. Há apenas dois lados, os de bem e os "demoníacos". Mas
esclareço afirmativamente que não se trata de uma batalha maniqueísta. Nem Deus
nem o Diabo estão presentes.
Alguns prédios pequenos foram derrubados de modo que
pedaços de concreto, tijolos e muita poeira tomam conta de muitas ruas. A todo
instante pessoas passam correndo aos gritos, algumas com pedaços de madeiras ou
ferros, outras com grandes pedras e em meio à correria algumas atropelam corpos
que se decompõem em céu aberto. Pediram ajuda as autoridades, mas os militares
também se dividiram. A mídia tentou transmitir os fatos, mas ela também se
acabou dividindo em dois.
O que parece ser o lugar mais seguro até agora, é o
mesmo lugar onde estão escondidos muitos dos lideres dos civis de bem que
instigaram e ainda ressaltam a importância dos atos que estão sendo praticados.
Tudo indica que o lado dos de bem é o maior e o mais
forte, mas quando estamos em guerra tudo é possível e o auxílio quase sempre
acaba aparecendo para dar o ar da admiração.
Ontem, foi noticiada uma nova praga que assola o
grupo aparentemente maior. Ninguém ainda sabe dizer ao certo do que se trata,
mas tudo indica que interfere nas células cancerígenas. Todos estão cada vez
mais coléricos. Parecem animais famintos que ficam a espreita para emboscar
alguém do grupo aparentemente menor. A caça é feita de forma assustadoramente
cruel. São poucas as vezes que armamento de fogo é usado. Pedras, pedaços de
paus, ferros são os preferidos. Batem, chutam principalmente na região da
cabeça. É notável o semblante de satisfação quando percebem que os ossos do
crânio já se racharam e que a presa nada mais tem a fazer.
Não é devido à guerra que essas caças acontecem. Elas
na verdade já vem acontecendo há algum tempo e é justamente a repetição dos
fatos que o cansaço chegou ao outro lado. Aquele que mexer com o filhote, seja
ele de qual espécie for, a mãe uma fera será.
Profecias mudas gritam aos ventos as maldições da
evolução humana. Evoluíram e hoje não passam de porcos, ratos e baratas.
Fileiras de carros destruídos posicionados para que talvez possam servir de
proteção.
Hospitais tornaram-se centros de extermínio.
Alimentos são para poucos e lavagem é dada aos dois grupos em guerra. As “prisões”
abriram suas portas, mas apenas com passagem de saída – ou talvez seja de
entrada? A solução foi fazer limpeza geral. O lixo é queimado para que talvez
seja a forma mais fácil de livrar-se do fardo.
É possível sentir em alguns cantos dessa poética e
adorável selva de concreto o cheiro de carne estorricando nas grandes
queimadas.
Gritos!!! Um jovem rapaz tenta fugir de um grupo, mas
infelizmente tropeçou em uma perna cujo corpo estava esmagado por uma caçamba
de lixo cheia de crianças nuas e mortas. O grupo, com cerca de quinze rapazes,
chuta-o e, com pedaços de madeiras com pregos grudados em suas extremidades,
abrem a cabeça da caça fragilizada. Um forte cheiro aquecido singular do sangue
já não mais embrulha os estômagos.
Grandes grupos tentam chegar ao palácio onde se
escondem a elite amedrontada. Há aqueles que querem as cabeças e há aqueles que
querem as cabeças daqueles que querem as cabeças de seus lideres.
O esgoto tornou-se abrigo e a merda alimento.
Direitos foram atribuídos e grupos foram idolatrados. O papa, de sua sacada,
implorou pela paz, mas suas palavras não chegaram ao Brasil ou o grupo de bem
preferiu não ouvir ou palavra nenhuma foi realmente dita.
Uma grande tempestade caiu sobre o solo que implora
para também ser céu. Os ratos foram obrigados a saírem do esgoto, os porcos
debatem-se na lama para não morrerem afogados e a baratas, astutas como sempre,
sobrevivem à radiação expelida pelas bocas e introduzidas anus adentro.
O confronto maior se sucede. Duas grandes fileiras
posicionadas, uma oposta a outra, como na grande e ilustre idade média. Uma
batalha épica surge e gritos em meio à correria rugem e se propagam no espaço.
Muitos morrerão, muitos se escondem, poucos viverão. Pedaços de concreto,
ferro, facas, facões, foiças, revólveres em mãos. Correm, lado A
e lado B como dois trens que querem chegar às direções opostas no mesmo trilho.
Uma lágrima escorre pelo rosto de Deus e uma
borboleta, perdida, pousa-se sobre um grande pedaço cinza de concreto, está
cansada à procura de uma flor.
Samir S. Souza
Publicado no Recanto das Letras em 02/06/2011
Código do Texto: T3010424
Publicado no Recanto das Letras em 02/06/2011
Código do Texto: T3010424
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Um comentário:
Intenso e dramático. Gostei.
Um abraço e uma boa semana
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