Thomas McCarty |
VIRADA VAZIA
A televisão estava ligada e
preenchia a sala com sua luz azulada. Ele estava deitado no sofá vendo a novela
das sete enquanto o cheiro doce de frango assado dançou no ar.
Lembrou-se do frango que assava,
levantou-se e foi até a cozinha. Retirou do forno uma forma coberta com papel
alumínio. Escutava-se o borbulhar do óleo quente dentro da forma. Apoiou-a
sobre a pia e retirou o papel, verificou se a ave já estava cozida e voltou ao
forno sem cobrir; era para dar cor à carne branca da ave.
A panela elétrica de arroz fez
barulho para avisar que os grãos já estavam cozidos e o feijão, em uma pequena
panela com tampa de vidro sobre o fogão, soltava seu aroma de feijoada. Do
vizinho, vinha um som de música animada e pessoas falavam e riam ao mesmo
tempo. Lembrou-se da mãe e da época de criança quando a casa era cheia de risos
e de músicas animadas e dançantes.
Ele voltou para o sofá. Não
estava com sua melhor roupa, mas não estava com as roupas mais simples que
costumava usar durantes os dias em que estava de folga. Na televisão,
propagandas de programas musicais eram anunciadas a todo o momento.
Estava sozinho e sabia que não
iria receber visitas: os poucos amigos estavam nas casas de seus familiares ou
de outros amigos com casas no litoral. Sentiu cede e foi até a geladeira,
abriu-a e viu o espumante, na porta da geladeira, que estava guardada há
semanas. Pegou, no entanto, a garrafa de água e serviu-se.
De volta ao sofá, a novela dava
continuidade a sua vida. A noite estava quente e ele abriu, um pouco, a janela
da sala para ventilar; um cheiro de churrasco invadiu o cômodo e, novamente,
lembranças da infância dançaram em frente aos seus olhos por alguns segundos. Levantou-se
e foi até a cozinha para verificar o frango e percebeu que já estava no ponto
para servir; o cheiro enchia a cozinha.
Serviu.
Sentou-se em frente à TV com seu
prato com arroz branco, feijão, pedaços de frango, salada de maionese e um copo
de refrigerante guaraná. Achou que faltou um pouco mais de sal no assado. O
cheiro da carne assando, que vinha de fora, passou pela sua frente e ele
desejou um pedaço de churrasco, mas logo se conformou. Escutou gargalhadas de
homens e mulheres.
A novela acabou. Ele ficou
triste, não porque a trama havia chegado ao fim naquele dia, mas porque sabia
que o fim do dia se aproximava. Trocou de canal várias vezes, mas não encontrou
qualquer coisa que fosse interessante para assistir.
Terminou sua refeição. Carros
passavam pelo viaduto próximo à sua janela. Uma buzina soou. Ele lavou a louça
enquanto escutava as músicas cantadas por artistas que ele não gostava em um
show que era transmitido por TV.
Desligou o celular. Não queria
receber ligações apesar de saber que não havia ninguém para ligá-lo. Foi ao
banheiro e escovou os dentes.
Ficou mais cinco minutos sentado
no sofá, parecia tentar achar alguma coisa de interessante naquele programa que
ele considerava de muito mau gosto e chato. Resolveu deitar-se.
Um breve sonho: estava na casa de
seus pais, a casa estava cheia de amigos e parentes; seu amor também o
acompanhava; estava na hora de todos irem para fora para verem os fogos.
Barulhos seguidos o acordaram
enquanto luzes piruetavam na parede de seu quarto. Ele se levantou e foi até a
janela, abriu-a e observou o céu. “Já é
meia-noite” pensou consigo. Longe, um fogo de artifício vermelho chamou sua
atenção. Rojões estrondavam sobre sua cabeça. Olhou para baixo, estava no
quinto andar, e viu um grupo de rapazes que quebravam garrafas contra uma das
colunas que sustentava o viaduto. Escutou os vizinhos de baixo e os de cima
cumprimentarem seus familiares. “Que esse
ano seja um bom ano” ele apenas desejou para si mesmo.
Olhou novamente para o céu e, mentalmente,
desejou ‘feliz ano novo’ para sua mãe
e seu pai que ainda moram no interior do estado. Seus olhos encheram de lágrimas,
mas ele não deixou que elas escorressem. Fechou a janela e foi até cozinha.
Abriu o espumante que estava na
geladeira e partiu a romã que se encontrava dentro da fruteira. Chupou sete
sementes e as guardou em um envelope pequeno para guardar dentro de sua
carteira mais tarde. Deu alguns goles na bebida e deixou o resto da romã sobre
a mesa. Desligou a luz e, após ir ao banheiro, voltou a deitar-se.
Naquele momento, ele teria uma
conversa com Deus ou com uma força maior do que qualquer coisa já conhecida,
uma energia tão poderosa e tão frágil. Conversa essa que apenas ele poderia
contar.
Sabia que demoraria dormir,
levantou-se e ligou o computador; queria ver algo: entrou em uma sala de bate
papo e assustou-se com a quantidade de pessoas online. Todas procuravam
companhia, amor e sexo. Questionou-se como seria possível. Tentou imaginar
essas pessoas e onde elas estariam e quais eram seus medos e desejos. “Quanta gente solitária” ele pensou e
teve pena e nojo de si mesmo. Desligou o computador e voltou para cama.
Algo o incomodava, seu coração
estava apertado, e uma vontade enorme de chorar parecia querer explodir de
dentro de seu peito. Outra vontade também o consumia: vontade de ser amado, de
ser desejado do jeito que ele era. Vontade de uma noite de amor e sexo, sem
preocupações com julgamentos.
Ficou nu. Masturbou-se. Sentiu
pena e raiva de si mesmo. Seus desejos ainda estavam fortes e sem colocar suas
roupas de volta, ele adormeceu; igual muitos outros que desejam o mesmo que
ele, que se encontram tão próximos dele, que são tão iguais a ele, tão
solitários quanto ele, tão distantes dele, tão próximos a ele, tão medrosos,
tão infelizes, vazios, solitários, escuro, sem som, sem luz...
Publicado no recanto das letras
em 03/03/2015
Código do texto: T5157109
imagem disponível em: http://melhorangulo.com/tag/fogos-de-artificio/